FLÁVIO SALIBA

Anti-intelectualismo e autoritarismo político

Aconteceu na Alemanha, na URSS e ocorre na atualidade


Publicado em 19 de abril de 2019 | 03:00
 
 
 
normal

O anti-intelectualismo é um fenômeno associado ao autoritarismo político de esquerda ou de direita. Foi assim na Alemanha nazista e na União Soviética, e continua sendo em todas as nações não democráticas da atualidade. Ali só sobrevivem os chamados “intelectuais orgânicos”, que legitimam o poder e dele se alimentam num pacto insano.

Mas, afinal, quem são os intelectuais? São filósofos, cientistas sociais, historiadores, escritores, jornalistas, juristas, alguns profissionais das ciências exatas e, eventualmente, um ou outro cidadão erudito.

Dentre esses profissionais, pouquíssimos são aqueles que podem ser chamados de “intelectuais” no sentido forte da palavra. Tomo como exemplo a área da sociologia, que por várias razões não chega a produzir mais do que 5% ou 10% de profissionais com formação teórica sólida. E a razão é simples: trata-se de uma disciplina difícil, em que a baixa nota de corte para ingresso na universidade e a imaturidade intelectual de muitos alunos egressos do segundo grau dificultam a plena absorção de seus fundamentos teóricos.

Várias vezes ouvi de alunos dos ciclos iniciais a seguinte pergunta/afirmação: professor, a sociologia é muito subjetiva, não? Ao que eu respondia: você está confundindo subjetividade com abstração. São duas coisas distintas: os conceitos fundamentais da teoria sociológica são de tal forma abstratos que exigem, do professor, muita competência para ensinar e, dos alunos, muito esforço de abstração para internalizar o que lhes é transmitido. Tendo em vista as deficiências de formação de muitos docentes e a ansiedade natural do jovem para entender a realidade e “transformá-la”, o ensino da sociologia tem caído na cilada de negligenciar a teoria para atender as inquietações do aluno.

Chovem temas como as desigualdades sociais, a questão indígena, as relações de raça e gênero, além de questões mais afetas à antropologia e desprovidas de fundamentação teórica. Trata-se de um ritual em que o professor acha que ensina e o aluno acredita que aprende. Não fingem, acreditam no que fazem. No campo teórico, obras científicas e, portanto, de acentuado nível de abstração, como “O Capital”, são substituídas por textos de cunho político-ideológico mais palatáveis, como “O Dezoito Brumário”. “A Divisão do Trabalho Social”, de Durkheim, tende a ser substituída por textos de segunda mão e, dado seu nível de abstração, precariamente discutida em sala de aula.

Tais problemas decorrem também do caráter pouco cumulativo do conhecimento sociológico devido à secular disputa teórica entre paradigmas que, não raro, descamba para a disputa ideológica. No campo da ação política, vence a perspectiva de esquerda; no da ciência, trafegam os intelectuais mais lúcidos e menos afeitos à militância política. Desconheço bons sociólogos ou cientistas políticos que sejam marxistas, como quer fazer crer a direita. Até o nosso “príncipe da sociologia” mandou que esquecêssemos o que ele havia escrito. Infelizmente, contribuiu para pôr em seu lugar um populista de esquerda semialfabetizado. 

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!