Flávio Saliba

De herói nacional a vilão

A decisão do Supremo e a Lava Jato


Publicado em 02 de abril de 2021 | 03:00
 
 
 
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Mataram a operação Lava Jato, que desmontou um vasto esquema criminoso na maior estatal brasileira, atingindo 219 condenações e recuperando cerca de R$ 5 bilhões para os cofres públicos.

O então juiz Sergio Moro, que ao aplicar o rigor da lei, transformou-se num quase herói nacional, foi convenientemente anunciado como um superministro do novo governo para em seguida ser descartado. De herói, passou a vilão, sofrendo ataques concertados da direita, da esquerda e de gente temerosa da Justiça.

Não bastou a anulação dos processos contra Lula, era preciso ir além: declarar a parcialidade de Sergio Moro na sua condenação ainda que à custa de uma possível anulação de todas as sentenças proferidas pelo juiz. Segundo a revista “Crusoé”, o julgamento na Segunda Turma do STF foi o ápice de um projeto para exterminar a Lava Jato e a possibilidade de que outras operações semelhantes venham a ocorrer no país. “O recado é claro: não ousem mexer com os poderosos”.

O recente artigo do sociólogo Claudio Beato no jornal “O Globo” é cristalino na exposição dos entraves à aplicação da lei na sociedade brasileira. Segundo Beato os embates envolvendo o STF e a Lava Jato têm a ver com uma profunda tensão no nosso sistema de Justiça Criminal, que, sendo fragmentado e heterogêneo, produziu culturas jurídicas conflitantes e arraigados interesses corporativos a elas associados. “Descontados os excessos (da Lava Jato), que houve mesmo e são bastante graves, temos também uma disputa de dupla natureza” que se traduz, “de um lado, num poder consolidado no Brasil desde sempre na República dos bacharéis que ganhou muita densidade após a Constituinte de 1988; de outro, em organizações bastante aguerridas como o agora empoderado Ministério Público”. Esse fenômeno teria gerado duas culturas jurídicas: a primeira, “garantista”; e a segunda, da “lei e ordem”.

De acordo com Beato, temos um legado de leis penais caducas e um “emaranhado de leis e mecanismos de postergação processual (que) terminam gerando impunidade para quem tenha recursos (...) para mobilizar advogados pagos”. É desses mecanismos que se valem os chamados “garantistas”, enquanto o modelo emergente da “lei e ordem”, amplamente utilizado pela Lava Jato “busca a celeridade processual e o julgamento por evidências”.

Moro foi vítima do “garantismo” processual e dos interessados em perpetuar suas práticas de saque ao erário público.

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