Opinião

Nos reinos da Dinamarca, de Roma e do Brasil

Seriados retratam abordagens diferentes de se fazer política


Publicado em 14 de maio de 2021 | 03:00
 
 
 
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O leitor há de convir que os brasileiros se assemelham mais aos italianos que aos nossos colonizadores portugueses. Falamos muito e ouvimos pouco, gesticulamos demais, batemos boca por nada – enfim, somos espalhafatosos como os primeiros. O português, ao contrário, é nostálgico, fala pouco, é contido nos gestos e menos dado à exposição da própria figura. Digo isso porque tais características refletem formas de organização social e política de um povo.

Estão disponíveis na Netflix duas séries indispensáveis a quem se preocupa com os rumos da vida política e a qualidade de nossa democracia. A primeira delas é “Borgen”, que retrata o cotidiano de uma primeira-ministra dinamarquesa que assume o posto após o afastamento do antecessor que havia coberto com “cartão corporativo” despesa de 70 euros em compras efetuadas pela esposa. Esse é o grande escândalo de corrupção no país, e a tarefa da nova primeira-ministra, ligada ao partido Moderado, é montar uma coalizão de centro com partidos simpáticos à sua pauta: proteção do meio ambiente, combate a projetos de lei para baixar a maioridade penal de 16 para 14 anos e para extraditar imigrantes por infrações leves, além de apoio à proposta de corte de subsídios a serviços privados de saúde.

Essa costura melindrosa ocorre por meio de reuniões e pronunciamentos curtos e objetivos, mas sem dispensar manobras de bastidores dentro dos padrões éticos de uma democracia avançada.

Mergulhada nas atividades políticas, a primeira-ministra vive sem mordomias com o marido e dois filhos pequenos. Sem babás ou empregados, é o marido que cuida das crianças e dos afazeres domésticos. Com as longas horas de ausência da mulher, pai e filhos enfrentam a solidão que culmina na internação da filha adolescente em uma clínica psiquiátrica e, finalmente, na separação do casal.

Por sua vez, a série “Suburra: Sangue em Roma” mostra uma cidade mergulhada na corrupção e na disputa feroz entre “famílias” mafiosas pelo controle do tráfico de drogas e a ocupação de terras da Igreja.

A trama envolve centenas de capangas armados, chantagens a políticos e a membros do Vaticano, sexo, ambição e muita violência. Trata-se de uma tentativa de controle da política romana pela máfia, originária do sul da Itália, onde reina o patriarcado e o familismo, comuns em áreas rurais e urbanas empobrecidas.

Tudo se complica com a chegada de uma indesejada multidão de refugiados africanos a Óstia. O fenômeno se politiza quando a Igreja resolve alojá-los em acampamento instalado nas terras disputadas pelas facções criminosas. Arcebispos, convencidos por ONG fajuta, criam alojamentos para os refugiados ao custo de 36 euros por cabeça a serem reembolsados pelo Estado, o que, nos cálculos de um mafioso, seria mais rentável que o tráfico de cocaína.

Chantageado pelas organizações criminosas, o eventual futuro prefeito de Roma oscila entre a aliança com a esquerda ou a direita. O resto é muito sangue.

Alguma semelhança com as práticas tupiniquins? O Rio de Janeiro e suas metástases país afora são imbatíveis nesses ofícios.

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