FLÁVIO SALIBA

Patrimonialismo, oligarquias e crime organizado

Redação O Tempo


Publicado em 19 de janeiro de 2018 | 03:00
 
 
 
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É quase uma regra entre os cientistas sociais brasileiros abordar os temas do patrimonialismo ou das oligarquias políticas como fenômenos do passado que, quando muito, teriam deixado alguns traços na conformação de nossas instituições públicas e privadas.

Influenciados, talvez, pelos efeitos de uma modernização limitada a certos setores da economia e pela emergência de um empresariado moderno e de classes médias e operárias, também limitadas, subestimam a natureza arcaica e espoliadora do Estado e das elites políticas nacionais. Estas, pouco se renovaram, seja em suas práticas, seja nos laços de parentesco e apadrinhamento, ocupando todos os espaços de poder. Prova disso é a inexistência de uma verdadeira separação entre os Poderes, a prática generalizada do nepotismo, a infinidade de cargos de confiança, os trinta e tantos mil cargos com foro privilegiado e a impunidade dos crimes de colarinho branco.

É verdade que a modernização econômica, ainda que limitada, exigiu a participação de novos atores nos três níveis da administração pública, notadamente de educadores, técnicos e especialistas de nível superior, o que permitiu a incorporação de parentes e apaniguados, sobretudo nos postos de mando, indispensáveis à sobrevivência política das elites tradicionais. Isto foi possível por meio da chamada “administração pública indireta”, com a criação de milhares de institutos, fundações e empresas de economia mista, cujo objetivo explícito era contornar a burocracia da administração direta. Ao lado das fundações públicas de direito privado, surgem o que poderíamos chamar de “fundações privadas de direito público”, na figura de ONGs, empreiteiras e corporações reféns da intermediação política na obtenção de contratos e recursos públicos.

Com a abertura política e a realização de eleições diretas para a Presidência da República, possibilitadas pela pressão conjunta das forças políticas “progressistas” e “conservadoras”, o que se viu, apesar da incorporação de alguns segmentos de esquerda ao aparato público, foi o retorno ao poder de setores das elites tradicionais, cerceadas, em sua atuação política, durante os governos militares. Com a volta à “normalidade democrática”, o que se observa é o aprofundamento da prática de acomodação de interesses por meio de verdadeiras trincheiras políticas nos ministérios e nos demais órgãos da administração direta e indireta.

O planejamento das ações públicas torna-se indesejável enquanto prática identificada com o autoritarismo dos governos militares, o que, somado à onda municipalista, levou ao completo desmantelamento, por exemplo, das agências de planejamento metropolitano. Essas, ao impor alguns limites à especulação imobiliária, cerceavam de alguma forma a corrupção dos agentes públicos municipais e garantiam um mínimo de ordenamento no crescimento urbano.

Mas o pior estava por vir com a ampliação da “porosidade” do Estado e a cumplicidade das elites tradicionais para incorporar ao jogo político o crime organizado.

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