Flávio Saliba Cunha

Sociologia, relações de trabalho e cidadania

Transformações tecnológicas e processos sociais


Publicado em 20 de setembro de 2019 | 03:00
 
 
 
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É comum entre alunos recém-chegados aos cursos de ciências sociais indagarem se a sociologia não seria uma disciplina muito subjetiva. Eu, da minha parte, respondo que eles estão confundindo subjetividade com abstração. Isso mesmo. A sociologia é uma disciplina tão abstrata quanto a física ou a matemática, e o entendimento de seus conceitos fundamentais exige um elevado nível de raciocínio abstrato, nem sempre ao alcance de jovens recém-saídos do ensino médio.

Muitos docentes, inclusive a pedido de alunos ansiosos por lidar com questões “concretas”, limitam-se a abordar superficialmente os fundamentos teóricos da disciplina para em seguida discutir, por exemplo, temas da realidade social brasileira. É isso que eles talvez entendam por “raciocínio crítico”. Vá lá que, no senso comum, a sociologia se preste ao estudo da sociedade. Mas isso é muito amplo e vago.

A disciplina tem como objeto a análise das estruturas, fenômenos e processos sociais de médio e longo prazos, por natureza, intangíveis na ausência de métodos apropriados. Para tanto, elaboram-se conceitos mais ou menos abstratos a serem comprovados pela empiria ou por outros conceitos abstratos.

Tenho insistido neste espaço que a cidadania é um fenômeno estrutural forjado pela monetarização da economia, pelas relações de mercado e, em última instância, pela intensificação do processo de divisão do trabalho.

Na modernidade, é a divisão do trabalho que, ao tornar os indivíduos mais interdependentes que nunca, garante a coexistência relativamente pacífica ou, em outros termos, a solidariedade orgânica de que nos fala Émile Durkheim. Tanto Durkheim quanto Marshall sugerem que a condição de cidadão pressupõe pleno emprego e inserção duradoura no mercado de trabalho, o que, evidentemente, não é o caso da sociedade brasileira.

Por sua vez, as profundas mudanças promovidas pela nova revolução tecnológica, ao introduzirem formas de trabalho flexíveis, temporários, de tempo parcial ou mesmo o desemprego aberto, tendem a comprometer os níveis de cidadania inclusive nas sociedades capitalistas avançadas.

Embora não negando os valores da liberdade e da igualdade e, portanto, a cidadania promovida pelas relações de mercado, Marx afirma em uma passagem de “O Capital” que na sociedade capitalista os homens entram em relações entre coisas enquanto as mercadorias entram em relações sociais. Com isso, ele quer dizer que a mercadoria tem vida própria e que nós somos meros suportes do seu processo de circulação.

Infelizmente, é provável que novos avanços tecnológicos, tais como a inteligência artificial, nos retirem, inclusive, esse papel no processo de circulação e que as redes sociais se incumbam de suprimir de vez as relações face a face.

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