No Brasil, a infância tem sido abreviada por duas forças opostas, mas complementares: a pobreza estrutural e a cultura do consumo midiático. De um lado, milhões de crianças são obrigadas a assumir responsabilidades adultas cedo demais, cuidando de irmãos, ajudando no sustento da casa ou, simplesmente, sendo empurradas para o trabalho infantil. De outro, crianças das classes médias e altas são induzidas a vestir-se, comportar-se e consumir como se fossem adultas em miniatura, pressionadas por agendas lotadas, padrões de beleza e a lógica da performance.

Nos últimos dias, o tema da adultização infantil, termo utilizado para se referir a crianças expostas a comportamentos, linguagens e contextos não correspondentes à idade, ganhou grande repercussão, depois que o youtuber e humorista Felipe Bressanim Pereira, conhecido como Felca, lançou um vídeo sobre o assunto na internet. A peça também denuncia possíveis casos de pedofilia nas redes sociais. Mostra perfis que usam crianças e adolescentes com pouca roupa, dançando músicas sensuais ou falando de sexo em programas divulgados nas plataformas digitais com objetivo de monetizar esse conteúdo, gerando dinheiro para os donos dos canais.

Mobilização da pauta

As instituições políticas (Senado, Câmara Federal, Assembleias Legislativas e Câmara Municipais) e entidades da sociedade civil abriram espaço para o debate. O presidente da Câmara, deputado Hugo Motta, prometeu de dar prioridade à votação de projeto de lei regulamentando a matéria. Uma comissão geral, liderada por Hugo, contando com a participação de especialistas e de organizações da sociedade civil, deu início ao debate.

A sociedade, por meio de suas entidades representativas, entra no foro de debates. A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) solicitou à Câmara dos Deputados, urgência na aprovação do Projeto de Lei (PL) nº 2.628/2022, que estabelece regras e mecanismos para prevenir, identificar e coibir o abuso e a exploração sexual infanto-juvenil em plataformas digitais. O texto já passou pelo Senado.

Adultização não é abstração

O fato é que a adultização infantil não é uma abstração. Segundo o IBGE, mais de 1 milhão de meninos e meninas ainda trabalham no país, apesar de a prática ser proibida por lei. Quem anda pelas ruas das capitais ou pelas feiras do interior não precisa de estatísticas para constatar: crianças vendem balas nos semáforos, carregam sacolas em mercados, catam recicláveis. A infância lhes é negada em nome da sobrevivência.

Mas não é só a miséria que rouba o tempo de ser criança. A cultura midiática brasileira, marcada pela exposição precoce de meninos e meninas em programas de TV, reality shows e redes sociais, incentiva a sexualização e a pressa em "crescer". Pequenas já desfilam de salto alto, fazem coreografias de músicas adultas e reproduzem padrões de consumo de influenciadores digitais. Nesse cenário, o brincar — elemento essencial do desenvolvimento infantil — perde espaço para a exibição e a competitividade.

A contradição é cruel. Enquanto uns carregam sacos de cimento, outros carregam a pressão da fama e da estética. Em ambos os casos, o resultado é o mesmo: a negação da infância. Crianças deixam de experimentar a leveza do jogo, da imaginação, da descoberta sem pressa, e assumem papéis que não lhes cabem.

Consequências

O problema é cultural, social e político. Não basta responsabilizar apenas famílias ou escolas. É preciso uma ação coordenada: fiscalização rigorosa contra o trabalho infantil, regulação mais firme da publicidade dirigida às crianças, educação crítica para o uso da mídia e, sobretudo, valorização da infância como um bem coletivo.

Quais são as consequências? Entre elas, o trabalho infantil persistente que, apesar de proibido ainda envolve mais de 1 milhão de crianças e adolescentes segundo o IBGE; a sexualização precoce (pesquisas mostram aumento da iniciação sexual em idades cada vez mais baixas, muitas vezes associada à falta de orientação adequada); a perda do brincar, bastando ver que crianças de classes médias e altas, embora não trabalhem, vivem sob agendas lotadas (escola, idiomas, esportes, cursos), o que as aproxima mais de adultos do que da ludicidade infantil.

A sociedade brasileira precisa se perguntar: que adultos formamos quando roubamos das crianças o direito de ser crianças? Um país que não protege sua infância planta adultos ansiosos, inseguros e despreparados para a vida em comunidade. Recuperar o tempo da infância é, antes de tudo, um investimento no futuro.

A adultização infantil no Brasil tem um pé na pobreza estrutural e outro no consumismo midiático. Enquanto milhões de crianças trabalham cedo para sobreviver, outras são empurradas ao universo adulto por estímulos de mercado, moda e mídia. Em ambos os casos, a infância — que deveria ser tempo de descoberta e formação — acaba reduzida.