Gaudêncio Torquatro

A luta entre razão e emoção

Espaços de discurso e decisão em ano eleitoral


Publicado em 12 de janeiro de 2020 | 03:01
 
 
 
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O mote da década de 50 acompanhou por anos a vida dos consumidores: “Vale quanto pesa”. O símbolo da balança na embalagem garantia a legitimidade do sabonete e reforçava o conceito da “verdade verdadeira”. De lá para cá, a verdade passou a perder substantivos e a ganhar superlativos, dando vazão ao bordão destes tempos virtuais: “Vale muito mais do que pesa”. Embala propagandas, expressões sobre pessoas, políticos, jogadores de futebol etc.

E cai bem no momento em que a política começa a rejeitar velhos paradigmas. Neste ano eleitoral, enquanto o superlativo dominará a política, a verdade se cobrirá de fake news, dividindo os mundos real e virtual, a serem guiados por três ferramentas cognitivas: a razão, a emoção e a polarização.

O cenário da razão abriga eleitores conscientes, autônomos, que já não agem ao estilo “maria vai com as outras”. Esse campo disputará o processo decisório com o da emoção. Basta medir a temperatura ou ver o desfile de adjetivos nas redes sociais entre bolsonaristas e oposicionistas.

Indignação, revolta, ódio se amalgamam nas bandas que dividem a sociedade: os adeptos do presidente Jair; os oposicionistas que não leem pela cartilha da direita-radical-conservadora; e os centristas, que olham em volta à procura de novos protagonistas.

Bolsonaro e Lula lideram o cabo de guerra, com linguagem embalada em celofane emotivo. Esforçam-se para antecipar a campanha usando metralhadoras expressivas para agregar parceiros e encantar turbas com uma semântica desarrumada e destemperada. Quando falta razão, valem-se da emoção em mensagem subliminar, querendo dizer “somos gente como vocês”. Metáforas se produzem aos montes para garantir suporte de simpatia.

Mas a movimentação social mostra que a razão, no processo de tomada de decisões, amplia adeptos até nos setores populares, tradicionalmente emotivos. Os comportamentos racionais hoje em dia indicam reordenamento de valores, princípios e visões dos grupamentos sociais sobre sua cidadania.

É o caso de perguntar: que vetor influenciará mais a campanha deste ano? Atente-se para o “ethos” nacional, que agrega valores como cordialidade, improvisação, exagero, paixão, solidariedade. A “alma caliente” dos trópicos se contrapõe à frieza anglo-saxã. Ou seja, a emoção ganha da razão.

Mas o processo racional se expande ao correr do avanço civilizatório. As mudanças começam no campo individual. A pessoa, escondida no anonimato, descobre que pode ser cidadã. A cidadania deixa de ser bandeira de instituições e se torna desejo. Isto é, amplia-se a consciência do “Eu” em contraponto ao conceito do “Nós”, esteira da propaganda política. Maior autonomia desenvolve autogestão técnica, pela qual os indivíduos traçam rumos e selecionam meios de atingir seu intento. As pessoas já não aceitam as regras do poder normativo e fogem dos “currais” psicológicos que enclausuram pensamentos.

O campo social alarga os discursos, propicia a rebeldia das formas e provoca a rejeição a tudo que se assemelhe a totalizações. Classes sociais e categorias profissionais desfraldam suas bandeiras. Se muitos ainda votam com a emoção, outros fazem uso da razão: o voto sai do coração para subir à cabeça.

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