GAUDÊNCIO TORQUATO

O nosso habitat ideológico

O espaço do centro abriga a maior parte da vontade nacional


Publicado em 02 de dezembro de 2018 | 03:00
 
 
 
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A ascensão de um grupo de direita ao poder no Brasil, depois de longo ciclo dominado pelo centro e pela esquerda, abre um campo de dúvidas: esse novo grupamento terá vida longa? A tendência à direita conta com base sólida ou é fruto de circunstâncias, na esteira da polarização entre “nós e eles”?

A resposta implica um conjunto de variáveis, a partir da análise do ethos nacional. Somos uma gente de índole pacífica, acolhedora, criativa e com traços de exagero: o país do melhor futebol do mundo, do pior desempenho em ética e moral, sem muito compromisso com a verdade. Querem ver? Em Petrolândia ou Petrolina não há petróleo; a Bahia de Todos os Santos é também a Bahia de Todos os Pecados, dizia Jorge Amado. Somos também a terra do “mais ou menos”. “Você trabalha quantas horas por semana?” “Mais ou menos 40 horas”. “É católico?” “Sou, mas não vou à igreja”. Não é isso, mestre Roberto DaMatta?

Ante a dualidade “sim” e “não”, característica do anglo-saxão, o brasileiro prefere “talvez”, “depende”, “vamos ver”. No arco ideológico, essa posição estaria mais próxima ao centro. Não indico esses traços para dar respostas às questões políticas, mas eles ajudam a compreender o “homo brasiliensis”. No mais, nosso povo exibe tendência para a moderação.

O aspecto educacional é outro fator a ser considerado. O alto índice de incultura, o subdesenvolvimento econômico, social, cultural e político marcam fortemente nossa frágil cidadania. Na classificação de Bobbio, teríamos uma “cidadania passiva”, a prevalecer sobre a “cidadania ativa”, que caracteriza a manipulação das massas. Por décadas cultivamos o “voto de cabresto”, como descreveu Vitor Nunes Leal, em “Coronelismo, Enxada e Voto”. Só após a CF de 1988 os cidadãos descobriram seus direitos à cidadania.

O fator econômico é outra bússola. Dinheiro no bolso, suprindo carências familiares, alimento, segurança e o conforto oferecido pelo Produto Nacional Bruto da Felicidade (PNBF) agem como motores da política. Se a engrenagem aumentar a felicidade coletiva, ganhará o apoio das massas carentes. A opção política do eleitorado, regra geral, se dá pela via do pragmatismo.

Por último, lembre-se de que o PT construiu uma muralha entre classes, o “nós e eles”. Por mais de três décadas, a cantilena bateu na mente nacional. Então, veio o estouro da boiada, com escândalos em série a partir do mensalão. A máscara caiu, líderes foram presos, e o carismático Lula, hoje na prisão, vive a pior fase de sua vida.

Dito isto, voltemos às perguntas iniciais. A direita terá vida longa? Se o governo Bolsonaro garantir o PNBF, estenderá seu prazo de validade. A recíproca é verdadeira. O fato é que direita, esquerda e centro hoje servem melhor ao trânsito. O bolso, esse, sim, é o maior termômetro nacional. Se a direita optar por políticas muito radicais – nas áreas de costumes e comportamentos –, poderá acirrar a polarização. Convém sempre alertar: o espaço de centro abriga a maior parte da vontade nacional. É onde poderia se encontrar mais consenso.

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