GILDA DE CASTRO

A inviolabilidade do corpo e da vida

Redação O Tempo


Publicado em 09 de setembro de 2017 | 03:00
 
 
 
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Os casos de assédio sexual em transportes coletivos de São Paulo obtiverem repercussão na mídia diante da reincidência de Diego Ferreira de Novais e do discutível tratamento conferido pelo juiz e pelo promotor no primeiro momento. Fundamentaram-se em lacunas da legislação para tipificar a conduta desse homem, permitindo sua soltura, mas ele praticou ato semelhante, três dias depois, em outro ônibus, na mesma região da capital paulista.

O assédio sexual e o assassinato por companheiros são dois grandes problemas das mulheres, enquanto faltam objetividade no ordenamento jurídico do país e uma discussão sobre a inviolabilidade do corpo, a violência moral e a própria vida numa dimensão mais ampla sobre persona, como conceito elaborado por Marcel Mauss. Ela abrangeria todos os dramas vividos pelos grupos mais vulneráveis, como as crianças, os idosos e os portadores de necessidades especiais, pois há frequentes denúncias sobre abusos a essas categorias, mesmo por familiares, sendo o mais repugnante o estupro de bebês, levados a óbito sem punição severa do autor.

O corpo é nosso templo e merece preservação absoluta em sua integridade física, moral e emocional. Trata-se de um bem inalienável e imensurável porque se refere à própria vida, em sua concepção mais ampla de bem-estar e segurança diante do mundo. Daí, a necessidade de que todos tenham acesso a bens materiais para seu conforto e a interação social em qualquer situação. Tocar nele sem consentimento é uma profanação, especialmente quando desperta repulsa por gestos libidinosos, agressivos e expropriadores.

A passageira do ônibus, no dia 29 de agosto, sentiu horror com o esperma em sua nuca e ficou frustrada porque o nojo não desapareceu com vários banhos. Afinal, ela tinha sido alvo de uma contaminação simbólica que não é extinta com apenas água, sabonete e antisséptico. Talvez ela jamais supere isso, porque houve agressão à essência da sua persona.

Os legisladores devem rever o ordenamento jurídico para que a Justiça tenha os instrumentos adequados quando se depararem com os casos de assédio sexual que implicam sempre profunda violência moral e marcas irreparáveis nas vítimas. Assim, a interpretação da conduta dos agressores deve ser mais severa, alcançando uma dimensão mais crítica da atitude do agente para coibir o que alguns juristas estão rotulando agora de “importunação ofensiva ao pudor”. É indispensável reconhecer que os danos são muito mais extensos do que têm sido considerados.

Resta dizer que outros povos têm imagem negativa dos brasileiros que violam sua integridade física com tapinhas no ombro, beijinhos, apertos de mão e indesejável proximidade corporal, mesmo quando já têm alguma familiaridade. Norte-americanos e ingleses, por exemplo, esperam preservar sempre distância de uma braçada em torno de si e encaram esses gestos tão comuns aos brasileiros como indesejável violação a seu ser.

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