A língua não é geneticamente determinada. Somos educados para interpretar os sons e articular os fonemas que compõem a linguagem de nosso grupo social, porque devemos usar um código linguístico para participar do mesmo universo simbólico, interpretando situações abstratas, exprimindo sentimentos e contando experiências vividas anteriormente.
A linguagem constitui ótima referência sobre a identidade social das pessoas que indicam, na sua fala, instrução, qualificação profissional e nacionalidade, construindo importante pista para auferir autenticidade às qualidades apresentadas ao estranho.
Nosso português apresenta muitas diferenças em relação ao lusitano. Houve aqui absorção de palavras oriundas de línguas africanas e indígenas e adaptação a outra realidade, pois cada fenômeno material ou social é sempre nominado e classificado pela sociedade.
Existem aqui formas regionais para falar, embora não seja possível rotular como dialetos, mas a “música” e algumas expressões caracterizam, por exemplo, gaúchos, cariocas, nordestinos e mineiros. Percebemos facilmente as diferenças entre regiões mais distantes, porém não sentimos as variações internas identificadas pelos nativos de cada área, como entre cearenses e pernambucanos.
Os apresentadores na mídia procuram seguir, em transmissões nacionais, a norma culta recomendada pelos eruditos. Eles tentam ficar acima dos regionalismos, obedecer às regras gramaticais e articular limpidamente todos os fonemas. Quando acatamos esse modelo, livramo-nos da estigmatização de ignorância e confusão mental.
Há diferença entre o rural e o urbano. Os habitantes de uma cidade grande costumam superar expressões “rústicas” porque têm mais escolaridade e acesso à comunicação com outros povos. Portanto, os belo-horizontinos “falariam melhor” do que os “caipiras”.
Nós, mineiros, temos fama de que falamos mal o português, porque mutilamos as palavras, “engolindo” várias consoantes, e usamos demasiadamente a interjeição “uai” e o substantivo “trem”, que são, provavelmente, resquícios do português arcaico. Apelamos também para expressões esdrúxulas, como “deix'eutifalá” e “oncotô”. Além disso, recorremos a termos considerados pejorativos por outros brasileiros, como o vocativo “bobo”. Os nordestinos não conseguem entender por que são xingados por um estranho sem razão específica e sentem-se ofendidos.
Todas as pessoas captam a “música” da fala de outro grupo, mas não percebem a existente entre os seus. Às vezes, ficam irritados pela diferenciação tomada como pedante ou desagradável. Dizemos que os cariocas falam “chiando”, e os nordestinos, “cantando”; mas estes reclamam que nós “choramos”, tal a afetação que conferimos à linguagem; esta soa arrastada e “melosa” aos ouvidos de outros brasileiros.
Quando conversamos com estranhos, devemos operar a norma culta para obter mais credibilidade quanto às nossas qualificações. Isso garantirá também harmonia na comunicação.