GILDA DE CASTRO

Condições de moradia numa grande cidade

Redação O Tempo


Publicado em 01 de abril de 2017 | 03:00
 
 
 
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As classes privilegiadas gozam de ótimas condições para viver numa grande cidade, como Belo Horizonte, pois ocupam áreas onde há todos os itens importantes de infraestrutura urbana: ruas pavimentadas, iluminação pública, policiamento, arborização, entrega de correspondência, telefone, fibra ótica, coleta de lixo, água canalizada e rede de esgoto. Esses serviços são prestados, direta ou indiretamente, pelo Estado, que não os oferece, entretanto, a todas as camadas sociais, porque eles demandam capacidade de consumo dos habitantes.

Aqueles segmentos podem conciliar residência com acesso fácil ao local de trabalho, ao colégio dos filhos, à mercearia e à farmácia. Eles avaliam o prestígio de residir em áreas nobres, definidas assim pela qualidade da vizinhança. Querem construir uma rede de relações vinculadas ao poder político e econômico, amizades seletivas e casamentos vantajosos para os filhos. Suportam o alto custo da área requintada morando em apartamentos contidos em edifícios, que são um prodígio das grandes cidades ocidentais do século XX. Há ali multiplicação vertical do espaço físico, em que se preservam isolamento e autonomia da família nuclear; isso provoca impacto considerável nas relações sociais.

A redução da distância física entre as unidades domésticas impôs aos moradores de apartamentos a criação de barreiras que limitem a convivência com estranhos. Eles mantêm, então, a porta externa de seu imóvel sempre fechada, sob pretexto de que precisam proteger-se de ladrões. Esperam, entretanto, impedir o acesso de visitas que surpreenderiam os moradores em sua privacidade ou descobririam segredos de família, como atrito entre os membros, higiene precária e dificuldades financeiras.

Essas famílias temem também que a ausência daquela barreira física implique redução da distância social e criação de intimidade com outras. Isso é indesejável no ambiente urbano, pois permite a estranhos participar dos problemas internos, pedir objetos emprestados e solicitar aval em seus negócios. Querendo aumentar sua privacidade, elas se tornam intolerantes quanto à permanência de moradores em áreas comuns dos edifícios e censuram grupos domésticos extensos, porque isso acarreta mais despesas rateadas entre todos os condôminos.

Enquanto isso, a classe trabalhadora vive uma realidade oposta na grande cidade porque ocupa áreas acidentadas, insalubres e distantes dos serviços indispensáveis a uma vida confortável. São, geralmente, os aglomerados, em que falta quase tudo. Cada família dispõe de um pequeno território, em que a privacidade fica impossível. Todos precisam assumir, então, postura fraterna para que haja harmonia. Diante da carência material, desenvolvem intensa solidariedade, que propicia, inclusive, o pacto de silêncio em relação a criminosos acoitados no emaranhado de barracos. O pior fica na vulnerabilidade a desabamentos, incêndios e inundações, porque nunca podem pagar uma moradia sólida em região com os serviços básicos.

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