GILDA DE CASTRO

Fragmentação da família brasileira

Redação O Tempo


Publicado em 19 de maio de 2018 | 03:00
 
 
 
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Há reclamação generalizada sobre parentes, e alguns confessam que preferem os amigos, argumentando que família é bonita apenas como fotografia na sala de visita. Enumeram várias razões para a rejeição, transparecendo interesses político-econômicos quanto ao patrimônio, às despesas da unidade central e aos encargos com as crianças, os enfermos e os idosos. Isso perpassa todas as classes sociais, explicitando sempre desconfiança mútua e acusações recíprocas, especialmente em relação aos afins, que nunca são plenamente integrados na rede de parentesco. Os problemas aumentaram, nas últimas décadas, porque houve redução no número de filhos, que se rebelam à autoridade paterna, enquanto demandam proteção material por muito mais tempo, cultivam a egolatria e não suportam pessoas alheias à unidade básica.

Não podemos idealizar o passado, como se tudo fossem flores antigamente, porque o provérbio “uma mãe cria dez filhos; dez filhos não cuidam de uma mãe” sempre indicou as humilhações sofridas por idosos sem renda, na casa dos descendentes. Ou seja, tal como antes, o casal opta para proporcionar o melhor a sua prole, enquanto os netos ignoram as dificuldades dos avós, sem disfarçar a rejeição aos decrépitos, no final da vida.

Os avanços tecnológicos impuseram mudanças na organização social, sendo que a mobilidade espacial implicou a dispersão das famílias nucleares, na cidade grande ou até para outros continentes. A formação escolar estendeu-se por muitos anos, e os compromissos profissionais condicionaram reuniões com alto risco de conflito pela intensidade de contato em poucas datas, pelas despesas extras e pelo desconforto em alojamentos improvisados, especialmente quando há antigas rixas pessoais ou desequilíbrio de renda entre os jovens pais.

A família nuclear tornou-se cada vez mais dependente de instituições externas. Serviços que eram realizados sem custo financeiro, como cuidado de bebês, órfãos, doentes e idosos, são atualmente comprados de agências particulares ou precariamente supridos pelo Estado. Os pais gastam, então, a maior parte de seu salário nesses encargos, mas preferiram fragilizar os laços de consanguinidade, bloqueando a presença de ascendentes ou colaterais em sua intimidade, mesmo em rápidas visitas ou hospedagem de fim de semana. Percebe-se, ainda mais facilmente, que as famílias contemporâneas demarcam o distanciamento dos irmãos tão logo têm netos, isentando-se de qualquer compromisso com outros parentes. Não se lembram de que seus descendentes farão isso entre si, em poucos anos.

Essa fragmentação da família extensa ocorre quando a chefia se fragiliza por viuvez ou incapacidade física, não suportando mais as despesas de manutenção da casa como território para todos os filhos e netos. Estes não hesitam em humilhar pais/avós quando os acolhem como prestação de favor. A solução menos dolorosa tem sido o asilo para quem é pobre ou as casas de convivência para os abonados.

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