GILDA DE CASTRO

Reações ácidas a críticas sobre nosso país

Redação O Tempo


Publicado em 29 de julho de 2017 | 03:00
 
 
 
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Circularam, recentemente, duas críticas sobre nosso país que despertaram ácidas reações, embora Peter Wood tenha citado 25 vantagens para viver aqui, na matéria publicada por Laura Maria neste jornal. A rejeição partiu de quem não admite censura ao seu cotidiano, especialmente de estrangeiros; por isso, os antropólogos evitam pesquisar seu grupo social para não sofrer represália de pessoas próximas. Isso decorre do etnocentrismo, que estimula a preservação das tradições de uma sociedade, mas impede reflexões sobre mudanças de postura, que promoveriam atitudes mais solidárias, respeitosas e justas.

Tenho analisado muitas etnografias sobre povos dos cinco continentes para obter referências que me permitam identificar peculiaridades em nossas ações; por isso, aceito as críticas dos dois norte-americanos, embora eles não tenham construído textos nos moldes da antropologia. Não atingiram uma abstração a partir de nossos deslizes no trânsito, do baixo valor conferido à escola, da acomodação diante dos desmandos dos políticos, da admissão da desigualdade social como absolutamente natural, do desrespeito aos direitos do outro, da aceitação da impunidade de poderosos, da falta de transparência de nossas atitudes, da irresponsabilidade no trato dos recursos naturais, do individualismo exacerbado, do pouco apreço à qualidade do trabalho e da indisciplina para circular em qualquer espaço público. Esses problemas são recorrentes em diferentes grupos sociais, podendo desencadear insegurança para os habitantes de áreas densamente ocupadas, desestabilização da economia e entraves para o desenvolvimento sociocultural.

A passividade das pessoas diante de tantas falcatruas das autoridades em todos os segmentos do Estado tem permitido que os agentes públicos permaneçam no poder, acomodando seus herdeiros como se ainda fosse possível, no terceiro milênio, lotear o país em capitanias hereditárias. Ignorando a própria capacidade para construir sua trajetória profissional, muitos cidadãos não questionam os poderosos de sua área porque esperam a oportunidade para obter algum benefício pessoal. Fecham os olhos, por exemplo, para o cabeamento aéreo da eletricidade e telefonia em sua rua, que é vulnerável e compromete a segurança, estética da cidade e arborização.

O descaso com a rede escolar é um dramático registro da indiferença quanto à educação de qualidade. Os pais não se incomodam com a jornada diária de apenas quatro horas e protegem seus filhos em caso de repreensão dos professores. Pagam também sem remorso trabalhos encomendados no mercado ilegal e fraudes em vestibular para admissão do estudante displicente. Querem para eles apenas o diploma, mesmo sem qualificação adequada para o exercício digno da profissão.

Amo meu país e espero que ele se modernize, mas isso não acontecerá se não houver reflexão sobre nossas atitudes a partir de críticas oriundas de quem conhece outro sistema sociocultural mais exigente, próspero e disciplinado.

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