JOÃO GUALBERTO JR.

Virgindade e esterilidade

Redação O Tempo


Publicado em 04 de fevereiro de 2014 | 03:00
 
 
 
normal

O catastrofismo faz parte do bom jornalismo, é lição que se aprende nos bancos da escola: “bad news, good news”. Apontar para um cenário ou um futuro de tons sombrios é, antes de qualquer outra intenção, uma maneira bastante eficaz de prender a atenção do consumidor de informação.
Na seara da economia, a catástrofe vendida como certeza é um prato cheio (ou vazio). Talvez porque, nas esferas do dinheiro, todas as relações reais sejam de um equilíbrio muito frágil, mas essa fragilidade é um tanto característica das economias de mercado.

O noticiário econômico, é curioso, explora muito bem as disposições tênues da conjuntura. Quando se produz menos do que se esperava, entraremos em recessão; quando se produz mais, faltará matéria-prima, ou seja, risco de inflação. Quando se vende pouco, o vendedor não tem estímulo, e esse estado de espírito se transfere ao produtor, que vai demitir; porém, se se vende muito, pode faltar mercadoria, e todas as engrenagens vão se sobreaquecer e causar inflação. Não, nada parece ser bom.

Mas existe o outro lado da moeda: a propaganda. Da mesma forma como se podem ver apenas quadros tenebrosos, igualmente tem gente hábil o bastante para extrair mundos cor-de-rosa de qualquer conjuntura. Nesses casos de calmaria permanente, produção, venda em excesso e preços elevados são expressões de uma economia pujante; e retrações, acomodações que requerem monitoramento, e incentivo, se necessário.

A análise econômica, grosso modo, tem três componentes. O primeiro é a acomodação de expectativas, fator que, se é fenômeno coletivo, precisa ser levando a sério. O segundo são os números, todos eles virgens. Por si, eles não dizem nada, a menos que a eles se comparem outros, como uma composição de série histórica de determinada variável. Ou então pareia-se um dado com outro de uma segunda grandeza.

E é desse tipo de elaboração que surge o terceiro componente de análise: os olhos de quem lê. Sim, se os números são castos, puros, convém associar outros que melhor se encaixem a eles. Acontece que o “melhor” cenário produzido com o quebra-cabeça só existe na cabeça de quem o monta.

Desculpe o clichê da autoajuda corporativa, mas se trata mesmo da história do copo meio vazio ou meio cheio. De um lado: o Brasil tem a projeção de crescimento revista para baixo pelas agências de rating; dificilmente o IPCA deve fechar 2014 no centro da meta; e o governo segue gastando muito e lançando mão de matreiras manobras para obter superávit primário. Do outro: o IBGE obtém o menor índice de desemprego da história; as vendas de carros crescem 10%, um recorde histórico; assim como foi outra marca inédita o financiamento imobiliário por pessoas físicas.

Teremos eleição daqui a poucos meses, e o “mundinho do dindim” estará no centro da pauta. Será mesmo que o eleitor vai se ligar nesse debate entre números virgens e ocultismos financeiros? Depende de como estiverem o bolso e o prato dele em outubro: ou meio cheios, ou meio vazios.

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!