O ataque aos direitos de grupos posicionados, à luz dos que se apresentam como vidas legítimas, funciona como uma massa de manobra — reflexo de um processo internacionalmente orquestrado para gerar pânico moral, enraizar discursos conservadores e preservar uma centralidade de poder que, graças ao desejo ético e insubmisso das esquerdas, vem sendo questionada e enfraquecida.
Vale ressaltar que o pânico moral responde aos anseios de um poder bélico sustentado na construção permanente do “outro” como inimigo. Ao intensificar os ataques à comunidade LGBTQIAPN+, fragilizando seus direitos, acessos e possibilidades, o que se instala, no interior desse projeto de mundo eticamente questionável, é a manifestação clara de uma ordem social e política que, para manter segura sua normatividade de gênero e sexualidade, amplia as formas de letalidade.
Nesse sentido, as tentativas de desmobilizar, reduzir ou suprimir os direitos da população LGBTQIAPN+, bem como os ataques sistemáticos à sua presença e aos seus afetos, são expressões de uma prática política que se alimenta da negociação das vidas precarizadas. Vale ressaltar que, a extrema-direita não verbaliza abertamente o desejo de eliminar a população LGBTQIAPN+, mas fomenta, dia após dia — de maneira sofisticada, institucional, discursiva e ideológica — estratégias que intensificam a brutalidade e o extermínio de todas as existências que escapam às normas de gênero e sexualidade impostas pela ciseteronormatividade.
A privação de direitos da população LGBTQIAPN+ é uma das principais formas de precarizar suas vidas e de sustentar um enquadramento de mundo que, ao inviabilizar o acesso à saúde, intensificar dinâmicas de exclusão escolar e manter valores e práticas que impedem o ingresso e a permanência no mercado de trabalho — em razão das micro e macroviolências resultantes da homotransfobia estrutural e institucional — restringe a possibilidade de que essas existências sejam reconhecidas como legítimas.
Ao mobilizar seu capital — inclusive institucional — contra a população LGBTQIAPN+, aqueles que operam a norma de gênero e sexualidade para manter mais uma face de seu domínio revelam uma antiga estratégia de continuidade do poder: a disciplina. Torna-se evidente a tentativa de “colocar pessoas dissidentes de gênero e sexualidade em seu devido lugar”.
No entanto, aprendemos, desde muito cedo e em coalizão, a subverter esse projeto normativo e perverso que incide sobre nossos corpos, presenças e afetos. Para nós, subversão é palavra de ordem e o caminho pelo qual, por meio das nossas encruzilhadas, seguimos vivas.
As tentativas de silenciamento e ocultamento de corpos identificados como dissidentes da norma cisgênera e heterossexual constituem estratégias de manutenção de um sistema de poder e de uma moralidade que, em vez de promover horizontes políticos democráticos e espaços sociais pautados na valorização da diversidade, no diálogo e no reconhecimento, orienta-se pela restrição, pelo enfraquecimento da reciprocidade e pela instrumentalização de discursos e instituições para perpetuar seus questionáveis “bons costumes”. Trata-se de uma estrutura que se sustenta na desintegração da experiência ética e na obstrução da construção de um horizonte comum. Afinal, que código de “bom costume” é esse que se alimenta da eliminação — simbólica e concreta — de corpos LGBTQIAPN+?
Essa moralidade, que se incomoda com a presença de pessoas LGBTQIAPN+ nos espaços públicos, recorre a malabarismos retóricos que orbitam em torno da proteção de valores religiosos tradicionais, da defesa da família ou de uma suposta preocupação com a destinação de verbas públicas. Na verdade, tais discursos deixam entrever que o ódio é recurso, instrumento e combustível daqueles que nos desejam tombadas, silenciadas, inexpressivas.
Todavia, mais do que sobreviventes, nós, nas ruas, unidas em aliança, recusamos o destino injurioso que nos foi imposto e desfazemos a geografia política orquestrada por aqueles que desejam nos excluir: estamos vivas, celebramos com orgulho as nossas existências e, juntas, nos deslocamos da margem aos centros.
É possível observar que a presença de pessoas LGBTQIAPN+ nos espaços públicos, institucionais e de produção de conhecimento, valor e discurso é incômoda, amarga e odiada por aqueles que, historicamente, nos apresentaram no intervalo entre a marginalidade e a desumanidade. A população LGBTQIAPN+ não apenas denuncia o projeto de precarização do mundo orquestrado pela extrema direita, como também apresenta as fissuras, rupturas e descontinuidades necessárias para a construção de um projeto político comprometido com a garantia da educação formal, da segurança alimentar, do cumprimento da principal diretriz do SUS — saúde integral para todas as pessoas —, bem como com o direito à cidade, ao lazer e à existência digna.
São perspectivas e práticas que, de maneira interseccional, enfrentam violências estruturais como o racismo, a misoginia e o capacitismo, por exemplo.
As mobilizações políticas que se articulam com o propósito de desmantelar ideologias e práticas discriminatórias compõem, nos termos de Vilma Gomes, outra “fotografia do poder”. Elas escancaram as agências de vulnerabilização organizadas para desumanizar sujeitos negros, LGBTQIAPN+, mulheres e demais presenças indiciadas pelos sistemas normativos e por seu interesse brutal na manutenção da hegemonia. Ao mesmo tempo, essas mobilizações tensionam a criação de novas molduras de mundo, onde as diferenças deixam de ser acionadas como ferramentas de precarização e passam a ser reconhecidas como potência transformadora e ética.
Ao ocupar os espaços político-sociais, tomar as ruas e recusar valores morais que negam o reconhecimento de sua humanidade, a população LGBTQIAPN+ destrói os armários e rompe os silenciamentos que, como sabemos, operam como engrenagens das políticas de morte. Assim, não negociamos nossa presença e respondemos com insubmissão e orgulho.