JÚLIO ASSIS

O homem da gravata lavada (XX)

Redação O Tempo


Publicado em 04 de julho de 2009 | 00:00
 
 
 
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Desmascarar ligeiro o assassino de Osório Caldas e Gonçalo Maciel era só o que ruminava o detetive Norberto Bareta. O delegado Rodrigo Pinto lhe dera a chance de ouro ao designar a ele o comando das investigações, enquanto viajava por dois dias, para, em sigilo, se encontrar com o gajo Marcelo Quitanda.

Se nesse meio tempo pegasse o criminoso, Bareta poderia convocar toda a imprensa e anunciar que ELE havia desvendado os assassinatos que mais despertavam a atenção do país naquele fim de império, e ganhar uma promoção. A possível fúria de Pinto por Bareta não ter esperado seu retorno, o detetive já planejava aplacar dizendo que, se esperasse mais, o assassino poderia escapar e não deveriam de forma alguma correr riscos.

Se ainda assim Pinto se enfurecesse, Norberto Bareta seria mais direto. Diria que o delegado, apesar da fama acadêmica, como diz o ditado, "estava mais perdido que minhoca em galinheiro" quanto aos rumos da investigação e não ia chegar a lugar algum. Mas é claro que em seu discurso para a imprensa, Bareta mencionaria o orgulho de integrar a equipe de Pinto e toda a competência do delegado, para só depois contar como foi ele próprio enredando os passos para chegar ao desfecho do caso.

O detetive estava convencido de que Nabuco de Araújo nada tinha a ver com aqueles crimes. O problema do senador eram mesmo as intermináveis acusações de nepotismo e corrupção, a batelada de atos secretos. As pressões para que Nabuco renunciasse ao mandato se agravavam, mesmo que ele recebesse aqui e ali algumas manifestações de apoio, mais as implícitas que as explícitas, até dos palácios do império.

O caldeirão político fervilhava enquanto Nabuco de Araújo estava para voltar de Paris, mas ainda curtia lá aqueles últimos dias lascivos com Rosinha. Quando não estava com ela sob os lençóis ou nos restaurantes da capital francesa, se dedicava às compras para sua coleção de gravatas e à leitura. Naqueles dias folheava um livro de contos em versos de Artur Azevedo, que havia levado, e que em certo fragmento narrava:

"Mulher que por ciumenta o marido não poupa,
Tem o hábito mau de examinar-lhe a roupa,
Esperando encontrar um corpo de delito
Que o confunda, que o ponha atônito, contrito.

- Biloca despertou-me aos berros! Tinha achado
Um cabelo agarrado
À gola do meu frac! Era um cabelo louro,
Um cabelo gentil, misto de seda e ouro.
Parecia, por Deus, cabelo de senhora
Que viesse de fora,
Inglesa ou alemã! - era um fio comprido:
Tinha seguramente um metro bem medido!
Um minuto depois de refletir profunda
E sossegadamente (O céu que me confunda
Se a verdade não digo!) achei que o tal cabelo
- Não cabelo, mas pelo
Da cabeça não foi de uma mulher bonita,
Mas da cauda de um burro!"

Nabuco se divertia em Paris com as leituras de Azevedo e os chamegos de Rosinha, enquanto do lado de cá Norberto Bareta lia nos jornais que a renúncia, quanto o senador voltasse ao Brasil, seria inevitável.

O detetive se deparava aí em mais um motivo para dar logo um rasteira no assassino de Osório Caldas e Gonçalo Maciel. Precisava ter a atenção da imprensa antes que ela se voltasse para a renúncia de Nabuco.

Em seus périplos pelo Senado, Bareta havia descoberto que os senadores estavam sendo extorquidos por um cocheiro. Mas não era Alcebíades. Ele se chamava Fabiano Peluzi. Astuto, bisbilhotava à distância as movimentações de Alcebíades com os senadores e aos poucos descobriu que o colega prestava também serviços íntimos. Para Norberto Bareta, Fabiano Peluzi percebera que poderia melhorar de vida com aquela descoberta e passou a também se envolver com os senadores, mas enquanto Alcebíades era um ingênuo amante, Fabiano estava interessado em dinheiro, sede que nunca saciava. E teria lá também seu lado matuto para quem matar não faria tanta diferença se não fosse atendido quando e quanto quisesse.

Bareta ouvira também das pessoas com quem procurava conversar à espreita que Peluzi andava meio às escondidas, não tão falastrão como sempre se demonstrara.

O detetive estava no seu encalço. E esperava nas próximas horas encostá-lo na parede.

Continua no próximo sábado com João Pombo Barile.

fernando fiuza

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