Laura Medioli

Laura Medioli

Laura Medioli é escritora e presidente da Sempre Editora, responsável pela publicação dos jornais Super, O TEMPO e O Tempo Betim, além da rádio FM O TEMPO e do portal O TEMPO. Formada em estudos sociais, Laura já atuou como professora e se dedica de forma intensa hoje à causa da proteção animal.

LAURA MEDIOLI

Cãospício

Redação O Tempo

Por Laura Medioli
Publicado em 15 de novembro de 2015 | 04:30
 
 
 
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Socoooorro!!! Tem cinco cachorras dentro de minha casa, e, quando digo dentro, é dentro mesmo. Ninguém aqui quer saber de jardim, quintal ou gramado, o negócio é se espichar nos tapetes, deitar nas poltronas, carimbar as patas sujas no sofá da sala de visitas e, por fim, se esticar no tapete do meu quarto para, finalmente, dormir. Pelo menos é o que fazem as três mais antigas moradoras da casa: Kika, a mãe; Bel, a filha; e Pretinha, que, por insistência e esperteza, finalmente, ganhou seu “lugar ao sol”.

E foi numa madrugada gélida que ela, magrelinha e com pouco pelo, começou a chorar na varanda. Obviamente não entendia o porquê de as duas maltesas terem direito a quarto e cobertinhas, enquanto ela, tão cadelinha feito as outras, tinha de ficar na casinha do lado de fora sobre um velho colchonete. Não tive como negar, abri a porta do quarto que dá para a varanda e a chamei. Entrou eufórica, tão eufórica que, em vez de pular na caminha das companheiras, foi pulando logo na “camona”. A minha, naturalmente! Até ser “sutilmente” expulsa por um casal sonolento e ligeiramente arrependido. A partir dessa noite, nossa mais esperta vira-lata passou a dividir o espaço com as companheiras no tapete de meu quarto.

Outro dia cheguei em casa e a encontrei espichada no meu travesseiro. Dei um grito tão alto que ela, sabendo que estava errada, quase se atirou pela janela. Sempre faz isso, principalmente nos sofás da sala. Sabe perfeitamente que não lhe é permitido subir, mas basta nos afastarmos um pouco para se deleitar nas almofadas. Ao escutar nossa aproximação, pula para o chão em questão de segundos e, com cara de paisagem, pensa que nos enganou.

Voltando de uma viagem longa, com fusos horários confundindo-me a cabeça, resolvi me deitar mais cedo. Até ser desperta por cinco enlouquecidas digladiando-se ao meu lado. Entraram que nem um furacão, latindo, mordendo e rolando.

Em seguida, entrou minha filha, tentando separá-las do quiproquó.

– Pelo amoooor de Deus! Tira tudo daqui! Eu não aguento mais essa cachorrada dentro de casa! – gritei injuriada.

A confusão era tanta que fui obrigada a me levantar e ajudá-la na missão de acalmar as cachorrinhas em dia de fúria.

Chegamos à conclusão de que, depois da chegada da Mali, nossa filhote de golden – que cresce 5 cm por dia –, o sossego na casa acabou. As maltesas, sentindo-se invadidas em seu espaço, a odeiam e, em complô, se unem para deixá-la em seu devido lugar. O problema é que a Mali é filhote, ainda não completou 4 meses de vida e, definitivamente, não compreende que não é benquista. Acha que as outras estão brincando e, assim, entra também na “brincadeira” com mordidas afiadas e pesadas patadas.

Pretinha, que até então andava desconfiadíssima com a nova inquilina, agora resolveu tomar partido em sua defesa, afinal Mali é apenas um filhote, duas vezes maior que ela, mas um filhote. Imaginem o tamanho da encrenca!

E, para complicar ainda mais a situação, nessa semana vi minha filha chegar em casa com uma “estopa” imunda e cheia de carrapichos no pelo. Antes que eu dissesse alguma coisa, ela já foi logo se explicando:

– Mãe, se eu não a pegasse, ela seria atropelada! Estava na rua, perto do cemitério, completamente perdida e desorientada. Assim que abrimos a porta do carro, ela pulou dentro.

– E??? – queria saber até onde iria essa história. Eu e as quatro que, ressabiadas, olhavam a mais nova candidata a moradora da casa.

– Bom, assim que descobrirmos os seus donos, devolveremos. Vou fazer uma faixa na vizinhança, sei lá... A gente dá um jeito, né, mãe?

– Ok, damos um jeito.... Fazer o quê? Deixar a bichinha na rua, esfomeada e atropelável? Na semana que vem, resolvemos.

Levei-a ao veterinário para dar uma “geral”, ou seja, banho, carrapaticida e tosa. Com aquele tanto de pelo emaranhado, apenas lavar não resolveria.

No fim do dia, a cachorrinha sem nome voltou limpa e sem pelos. E o melhor de tudo: eufórica! Em dois dias de casa, já cativara a todos. Descobri que é obediente: quando eu digo “fora!”, ela sai mesmo, para o espanto das outras, que nunca me obedeceram. Adora um carinho e gosta de pular em nosso colo. Não faço ideia de quantos anos ela tem. Sei que deve estar fazendo falta aos seus legítimos donos, que tentarei descobrir quem são.

Dorme no quintal junto com Mali, que, no começo, ao ver aquela coisa imunda e cheia de carrapichos, entrou em pânico. Embora dividissem o mesmo espaço, era uma para um lado, outra para o outro. Depois do banho e da tosa, resolveram se aproximar. Enquanto escrevo esta crônica, numa ensolarada manhã, vejo-as no gramado brincando. Tornaram-se inseparáveis.

Enquanto isso, Pretinha, exausta da superpopulação canina, fica de olho no portão, para que, na primeira oportunidade, dê sua escapulidinha básica à casa do vizinho. Afinal, hoje é domingo, dia de ela ir lá filar um churrasquinho.

Há dois anos escrevi esta crônica, quando minha casa se transformou num adorável Cãospício.

Há nove meses, Pretinha, devido a um tumor e outras doenças decorrentes da idade, se foi. E há menos de uma semana, acometida por uma grave pancreatite, foi-se também a Bel, nossa pequena maltesa, que numa madrugada fria de inverno, debaixo do armário do meu banheiro, eu vi nascer. Oito anos de vida, apenas isso. Oito anos de latidos contínuos e muito carinho.

Mali, a golden, depois de quase alcançar o meu tamanho, finalmente parou de crescer. E uma nova inquilina, encontrada na rua, assim feito a Estopa e a Pretinha, passou a fazer parte da “família”. Vlora é seu nome, a pit-lata mais doce e querida que já tive.

Releio esta crônica em nosso hoje silencioso jardim. Com a Vlora aos meus pés e a Mali descansando na grama, penso na Pretinha, na Kika e na Bel. E espero, sinceramente, que elas façam um divertido Cãospício no Céu.

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