Laura Medioli

Laura Medioli

Laura Medioli é escritora e presidente da Sempre Editora, responsável pela publicação dos jornais Super, O TEMPO e O Tempo Betim, além da rádio FM O TEMPO e do portal O TEMPO. Formada em estudos sociais, Laura já atuou como professora e se dedica de forma intensa hoje à causa da proteção animal.

LAURA MEDIOLI

Lino

Redação O Tempo

Por Laura Medioli
Publicado em 12 de fevereiro de 2017 | 04:30
 
 
 
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Foi planejado no Brasil, gerado na Holanda. Nasceria em casa, dentro de uma banheira de água morna. Devido às complicações do parto, veio ao mundo por cesariana, na maternidade de Nijmegen, cidade próxima de Amsterdã.

Nasceu tão loirinho e com os olhos tão azuis que até eu cheguei a duvidar – “será que trocaram de bebê?”. Meu irmão, o avô, garantiu que não, pois, na Holanda, não se separam os filhos das mães. Só depois vim a descobrir a origem “germânica” daquele bebê branquinho com cara de holandês. O avô paterno mais a bisavó materna e tantos trisavôs de origem europeia no caminho transmitiram a meu sobrinho-neto os traços típicos de um “estrangeiro”.

E, na verdade, foi nisto que ele se transformou: um garoto cujos pais brasileiros – ela de Minas, ele de São Paulo – se conheceram no meio da Floresta Amazônica, onde trabalhavam com os ianomâmis.

Ela, descendo de um monomotor, em que viajara entre caixotes e mercadorias; e ele subindo. Ela chegando; ele partindo. E, nesse pequeno intervalo, seus olhares curiosos se cruzaram, quase sem tempo para indagações. Em meio aos índios, naquele mar verde a se perder de vista, o primeiro encontro, dos muitos que teriam até o relacionamento tornar-se definitivo.

Ana, minha sobrinha querida, quase uma filha; Helder, seu marido. Depois, o pequeno Lino – meu sobrinho-neto, que hoje carreguei no colo.

Lino nasceu em pleno inverno europeu. Antes de completar seis meses, teve de ir a Portugal adquirir a cidadania portuguesa, proveniente do avô paterno. Embora tenha nascido na Holanda, não é considerado holandês, segundo as leis daquele país.

Com poucos meses de vida, foi passear na Itália, onde Ana havia estudado durante um ano. Foram conhecer a Sicília, com suas praias de águas transparentes e calor mediterrâneo. Pela primeira vez, Lino viu o mar.

De volta à Holanda, Ana decidiu que o filho deveria conhecer a família no Brasil. Fez as malas e veio sozinha com seu bebê, enquanto Helder terminava de defender sua tese em universidade daquele país. E foi só festa! Lino, desacostumado com gente e confusão, no começo estranhou. Após tantos colos e mimos, logo se adaptou. Mas já era hora de voltar. Foram para São Paulo, com malas enormes e toda aquela parafernália que um bebê requer, com direito a despedidas, choros de avós corujas e tias apaixonadas. Até que, de madrugada, minha sobrinha ligou:

– Não me deixaram viajar.

Precisaria da autorização do pai, que, naquele momento, dormia a 9.200 km dali. Exausta, Ana foi para um hotel e voltou para Belo Horizonte, onde ficou até conseguir a papelada, registrada em cartório, provando ser ela a mãe do bebê e com a devida autorização do pai. E assim foi.

Após alguns meses em Nijmegen, veio a notícia de que voltariam definitivamente para o Brasil. Trabalho cumprido. E, aqui, a expectativa: onde iriam morar?

Conhecedores da sociedade e da cultura indígena, tradutores oficiais da língua ianomâmi, acostumados à natureza pulsante da floresta, minha sobrinha e seu marido não cogitariam viver e ver seu único filho crescer na secura de uma metrópole cinza, poluída e turbulenta, como costumam ser nossas grandes cidades. Tão logo chegaram, novas propostas de trabalho os aguardavam. Irão novamente para Roraima, em Boa Vista, onde já alugaram uma casa.

Hoje fiz um café especial – minha sobrinha-filha, com meu sobrinho-neto, veio mais uma vez se despedir. O pequeno Lino, que completará um ano na próxima semana, nunca comeu açúcar na vida, apenas conhece o doce das frutas, também nada de sal, tudo muito natural. Ainda é amamentado no peito, cresce lindo e saudável. E fico pensando em seu destino: assim como seus pais, será um cidadão do mundo? Penso nas muitas vivências que terá, nas oportunidades incríveis de se tornar um garoto especial, desapegado das coisas materiais, provavelmente, morando em casas simples e aconchegantes, repletas de cultura, com uma mãe zelosa, ansiosa para que ele cresça logo para poderem conversar. Tantas coisas ela tem a lhe dizer sobre sua vida itinerante, rica de experiências e de moradas... Belo Horizonte, Nova Zelândia, Itália, Roraima, Floresta Amazônica, Florianópolis, Holanda e, novamente, Roraima. E me pego pensando naquele garotinho loiro, de expressivos olhos azuis, brincando com os indiozinhos, nadando nos rios em Boa Vista, aprendendo a respeitar os animais, as plantas e os seres humanos. Um “etezinho holandês” neste Brasilzão equatorial.

Vá com Deus, meu amor! E que Ele esteja sempre a seu lado em suas caminhadas. 

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