Laura Medioli

Laura Medioli

Laura Medioli é escritora e presidente da Sempre Editora, responsável pela publicação dos jornais Super, O TEMPO e O Tempo Betim, além da rádio FM O TEMPO e do portal O TEMPO. Formada em estudos sociais, Laura já atuou como professora e se dedica de forma intensa hoje à causa da proteção animal.

LAURA MEDIOLI

O estresse nosso de todo dia

Quando minhas filhas tiraram carteira, fiz questão de orientá-las para as situações com que a todo momento nos deparamos

Por Laura Medioli
Publicado em 23 de abril de 2022 | 08:17
 
 
 
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Certo dia recebi o email de uma leitora de quem compartilho as opiniões. Para entenderem o assunto, transcrevo parte de sua correspondência.

Morei oito anos nos EUA, especificamente em Los Angeles. Quando cheguei, estranhei muitas coisas, mas pensei que, após tanto tempo fora, seria normal. Agora, depois de dois anos aqui, não é mais estranhamento, e sim triste constatação. É meu país, nasci aqui, em BH, mas ando estarrecida com a falta de educação, de delicadeza, de atenção das pessoas. Não vou dizer que lá também não existem certas atitudes, seria hipocrisia da minha parte. Só que em um grau infinitamente menor. Também porque polícia lá é para fazer a lei ser cumprida e realmente proteger os cidadãos.

Bem, a carta é grande e ocuparia muito espaço. A leitora, num desabafo, conta as situações vivenciadas por ela no trânsito: paradas obrigatórias em que, se ela para, buzinam atrás; “pegas” nas ruas da cidade – o que já é um despropósito e beira o absurdo quando realizado na contramão de uma rotatória; e várias outras situações que a deixam perplexa. “Noto, entristecida, que, quando paro para ceder passagem a alguém que tenta, às vezes por muito tempo, sair de uma vaga ou garagem, a reclamação é geral”. E por aí vai...

Concordo com ela em gênero, número e grau. Aliás, penso sempre nisso quando me vejo no caos generalizado em que se transformou o nosso trânsito, onde a falta de educação, gentileza, equilíbrio e bom senso impera na mesma proporção do estresse de quem nele se encontra.

Quando minhas filhas tiraram carteira, fiz questão de orientá-las para as situações com que a todo momento nos deparamos. Tipo: dar passagem a quem precisa ou requisita; evitar buzinas desnecessárias (embora determinadas pessoas mereçam buzinadas de Scania na cabeça); não acelerar quando o veículo de trás iniciar uma ultrapassagem (é incrível, mas muita gente faz isso e, em vez de colaborar, resolve atrapalhar, colocando em risco a vida das pessoas); não empacar o trânsito na esquerda; respeitar a faixa de pedestres; e tantas outras atitudes que nem precisariam ser ditas, pois são uma questão de bom senso, o que, felizmente, minhas filhas têm de sobra.

Lembro-me da mais nova, que, logo após tirar a habilitação, veio comentar, chateada:

– Ô mãe! O povo aqui é sem educação, né?

– Por que você está falando isso? – perguntei.

E ela:

– É que, por todo lugar onde passo, eles me xingam!

Concordei com a falta de educação. Só não disse que no caso dela o volume de xingamentos era maior devido à sua tamanha... digamos, falta de experiência. Não por culpa dela, mas do instrutor e do examinador, que, com apenas 15 aulas e uma rápida volta no quarteirão no dia do exame, julgaram-na apta a dirigir. Não que ela não estivesse em condições: é cuidadosa, responsável, segura... Mas 15 aulas, que correspondem a pouco mais de 12 horas, para quem nunca pegou num volante e só treinou nas pacatas ruas do bairro, sem ônibus, caminhões ou um bando de estressados atrás, sinceramente, é pouco. Que experiência ela teve? Quais dificuldades enfrentou? Em que situação complicada se envolveu antes de pegar um Anel Rodoviário ou o centro na hora do rush? Por isso, em duas semanas de carteira, os xingamentos. Em menos de um mês, meu carro pendurado no meio-fio com o para-choque arrebentado.

– Mãaaae! – me liga quase chorando. – Aconteceu uma coisa horrível...

Peguei o carro do meu marido e corri ao local do “acidente”. Pneu estourado, para-choque amassado, nenhuma vítima, e ela tremendo, mas inteira.

– Foi um ônibus! Ele que me jogou para o meio-fio...

Concluí que lhe faltaram as maldades necessárias para o enfrentamento do trânsito. Afinal, aprendeu a dirigir onde mal havia ônibus.

Hoje, anos depois, já experiente e dirigindo muito bem, não recebe mais xingatórios, mas percebe, com clareza, a “neura” que impera em nossas ruas.

E nos lembramos do bilhete desaforado que recebi certa vez. Tudo bem, manobrei e parei o carro “daquele” jeito no estacionamento de um shopping, e foi sem surpresa que peguei no para-brisa o seguinte recado: “Da próxima vez, vê se estaciona essa m... direito!”

Preferi o bilhetinho bem-humorado que minha filha deixou no carro de alguém, também no estacionamento de um shopping: “Prezado BMW, favor aprender a estacionar dentro da vaga, principalmente na véspera de Natal. Obrigada, Fiat Palio”.

E, assim feito minha leitora, falamos das coisas insanas que presenciamos no dia a dia. E, na oportunidade, procuro dar novos conselhos.

– Meninas, temos que dirigir para nós e para os outros. Não é porque a preferência é nossa que podemos passar despreocupadas. Lembrem-se de que sempre há um irresponsável que se acha no direito de transgredir.

Enfim, tento orientá-las para serem não apenas boas motoristas, mas, acima de tudo, para serem boas cidadãs.

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