Laura Medioli

Laura Medioli

Laura Medioli é escritora e presidente da Sempre Editora, responsável pela publicação dos jornais Super, O TEMPO e O Tempo Betim, além da rádio FM O TEMPO e do portal O TEMPO. Formada em estudos sociais, Laura já atuou como professora e se dedica de forma intensa hoje à causa da proteção animal.

LAURA MEDIOLI

Um caos adorável (Índia, 1999)

Viajando para Pondicherry, antiga colônia francesa na Índia, uma cena inusitada

Por Laura Medioli
Publicado em 02 de dezembro de 2018 | 04:00
 
 
 
normal

Viajando para Pondicherry, antiga colônia francesa na Índia, uma cena inusitada: cerca de 150 cabritos, monitorados por uma velha com sua varinha, tomam conta da estrada, fazendo com que nosso motorista ultrapasse pelo mato, já que praticamente não existem acostamentos.

A cena me faz lembrar o carro de boi em uma das principais avenidas de Madras. Com um “Everest” de feno na carroceria, devagar, quase parando, obrigava os inúmeros carros, ônibus, caminhões e riquixás a seguir atrás, a “passos de boi”, por alguns quilômetros. E o absurdo da história: o condutor dormia, ou seja, não fazia ideia do congestionamento que ele e seus bois causavam. Coisas da Índia!

Entendi que aqui funciona a “lei do mais forte”. Quando, na estrada estreita, vem um caminhão, nos desviamos (normalmente enfiando o carro no meio do mato); quando o carro é menor que o nosso, eles que se virem.

Mais uma cena inusitada: duas velhinhas, velhíssimas para bem dizer a verdade, magrinhas e grisalhas, provavelmente francesas, passam numa moto. Uma na garupa da outra. Nesse caso, não seria prudente seguir a “lei do mais forte”. Moto com duas velhinhas em cima, o melhor a fazer era cair fora. E rápido.

Vittorio me mostra um muro coberto de estrume de cima a baixo. Colocam ali o esterco para secar ao sol e, depois, usá-lo como combustível em seus fogões.

Esse caminho para Pondicherry está bem divertido, o guia falando altíssimo, o trânsito caótico e o motorista buzinando enlouquecidamente. Passamos por um vilarejo rodeado por coqueirais. Quase atropelamos um cabrito e, no momento em que escrevo, passa um ônibus a dez centímetros do meu nariz.

Já é tarde, o motorista nos deixou no centro de Pondicherry para olharmos o comércio local. Resolvemos voltar de riquixá, também chamado de “tutu”. Apertadinhos naquele microveículo, andando pelas ruas da cidade, à noite e sem farol. Pagamos 30 rúpias, que correspondem a mais ou menos R$ 2.

No momento, escrevo do único restaurante francês, frequentado somente por estrangeiros. Pedimos pizza e espaguete. Nem acredito que vou comer alguma coisa sem curry e pimenta. Só não peço um vinho para comemorar porque no dia seguinte devemos acordar às 6h e enfrentar uma viagem de mais de 11 horas. O destino será a cidade de Madurai.

Acho bizarro o quarto de nosso hotel, que mais se assemelha a um museu, cheio de quadros de gente que já morreu. As portas são pesadas, e a iluminação, praticamente inexistente. Tenho medo de ligar o ventilador de teto e ele cair, já que tudo ali é antigo.

Madurai

Enfim, chegamos a Madurai, cidade de um milhão e meio de habitantes.

A primeira visita foi a um antigo palácio de um marajá, na verdade parte dele, já que foi quase totalmente destruído pelos muçulmanos. Segundo nosso guia, foram necessários 36 anos para que fosse concluído. É proibido tirar fotos, mas o guarda da vigilância diz, com muita naturalidade, que, por 20 rúpias, está tudo liberado.

O último marajá a morar aqui ficou de 1723 a 1759, até adoecer. Existe uma superstição que diz que, quando uma pessoa adoece, deve mudar de casa, como se a causa de sua doença estivesse ali. Por isso, ele abandonou o palácio e se mudou, vindo a falecer em seguida. Esse marajá não teve irmãos nem filhos legítimos, mas, em compensação, tinha uma esposa e 108 concubinas.

As salas são gigantescas e belas, conservando no teto as cores originais. Numa delas, a cópia do trono ocupado pelo marajá. O verdadeiro, feito em ouro e pedras preciosas, encontra-se em Londres. Tudo aqui impressiona.

Chegamos à sala onde as concubinas dançavam. O guia nos conta curiosidades sobre elas, principalmente no que diz respeito ao número – sempre 108. Pelo que entendi, o deus dos hindus Shiva teve 108 concubinas e, como os marajás se julgavam deuses, deveriam se igualar a ele. Caso alguma morresse, outra era chamada para tomar seu lugar, sempre mantendo o número de 108.

Alguém pergunta quem é que ganha dinheiro com a exploração do palácio. Vittorio diz que é o governo, por ser um patrimônio do Estado. E eu, rindo, digo: “Quem ganha é o guardinha!”

Ao voltarmos para o carro, uma multidão de pedintes e camelôs nos acompanha. Já nos acostumamos com o assédio, tão comum nas ruas da Índia.

Seguimos para um dos maiores templos hinduístas do país. E lá estávamos nós, descalços, pisando numa sujeira indescritível. Um lugar estranho, escuro e cheio de odores. O templo se chama Sri Meenaskshi Sunderegwa. Traduzindo: santo que tem olhos de peixe. Todos os dias, cerca de 20 mil pessoas vêm visitá-lo, entre turistas e peregrinos. Também é dos mais antigos, sendo que grande parte fora destruída pelos muçulmanos. Havia 22 torres; hoje, apenas a metade, que, a cada 50 anos, é repintada. A última vez foi há nove anos, necessitando de 1.008 pessoas para se concluir o trabalho.

Hinduístas oram com fervor, e mulheres vendem colares de flores para serem ofertados às divindades. Comprei flores para os cabelos e tirei fotos com uma figura estranhíssima.

Ao som de um mantra, continuamos nossa visita. As pessoas são curiosas em relação a nossa nacionalidade, principalmente as mulheres, que, sorridentes, sempre estão nos interrogando. Vimos fiéis confessando de frente ao deus Ganesh. É interessante ver a cerimônia. Colocamos um pó branco na testa e também fizemos nossas orações, agradecendo e pedindo saúde, paz e proteção à família. Na saída, encontramos um elefante. Por algumas rúpias fomos “abençoados” por ele.

Saímos e seguimos a pé a uma loja de tapetes e artesanatos. Rodeados por pedintes, a bagunça de praxe. A loja é bem-organizada, com vendedores jovens e simpáticos. São muçulmanos. Oferecem-nos um gostoso chá da Caxemira, que aceitamos de bom grado. Dali, seguimos a um mercado, onde se encontra de tudo. Nos corredores, costureiros com suas precárias máquinas. É possível comprar tecidos e entregá-los a eles, que, tirando nossas medidas, nos devolvem a roupa pronta em três horas.

Saímos para a rua em direção ao carro e acabo sendo atropelada por uma bicicleta. Além dos inúmeros pedintes, tenho que me desviar dos riquixás e de uma vaca que transita no meio do caos. Atravessar as ruas na Índia é mesmo uma aventura. E eu adoro isso aqui!!!

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!