Outro dia li, em O TEMPO, que foi feito um censo dos jacarés na lagoa da Pampulha, contabilizando 16 répteis, com a possibilidade de existirem mais.
Desconfio de que, se fizerem a arvore genealógica dos bichos, um dos troncos vai parar no terreno de minha antiga casa, onde criávamos, além de dezenas de outros animais, um casal de jacarés. Explico: nos anos 70, o meu pai tinha uma empresa de casas pré-fabricadas que prestava serviço para grandes companhias na construção de canteiros de obras nos locais mais longínquos e inabitados do país e do exterior. Foi assim durante a construção de Itaipu e outros.
Naquela época, trabalhava na empresa um moço chamado Virola, uma espécie de “pau pra toda obra”. Viajava pelo Brasil afora e sempre voltava contando histórias incríveis dos locais que visitara.
Virola era adorado por todos nós. Por seus casos interessantes e pelo carinho com a meninada. Além de chocolates, gostava de nos trazer presentes inusitados, como jacarés, seriemas, jacus e outros bichos, para a nossa felicidade e desespero de meus pais. Naquele tempo, não era proibido ter animais silvestres, e, felizmente, na minha casa, os animais, na grande maioria, viviam soltos em meio a matas, florestas de eucaliptos, capinzais, gramados e uma pedreira enorme de onde brotava água e morava uma raposa.
O casal de jacarés, vindo de Deus sabe onde, foi a sensação! Vivendo dentro de um tanque, com pedras, água e plantas, permaneceu conosco até o dia em que minha mãe descobriu, pela cozinheira, o que andávamos fazendo.
Paulo, meu irmão mais velho, apiedando-se dos animais, soltava-os no gramado para que tomassem sol. Descobrimos que pular jacarés era a coisa mais emocionante que já tínhamos feito até então, principalmente quando davam rabadas e mostravam seus dentes afiados. Minha mãe, ao saber dessa história, rapidinho providenciou de darem um sumiço no casal. Até hoje me pergunto se não foram parar na lagoa da Pampulha, o que ela nunca desmentiu.
Muitos anos depois, em certa manhã, uma amiga me ligou eufórica.
– Laurinha! Chama o pessoal do jornal, que o jacaré está aqui tomando sol.
– Aqui onde?
– Aqui! Mais um pouco, entra na minha casa. Vem logo!
E fomos eu e o fotógrafo ao seu endereço, na orla da lagoa.
Lá estava ele, imóvel, com a boca aberta, estirado no passeio. Jacarés adoram tomar sol.
Era gigantesco, dos maiores que já havia visto na Pampulha. Após a sessão de fotos, de todos os ângulos possíveis, observo o fotógrafo, com um pedaço de pau, corajosamente empurrá-lo de volta ao espelho d’água.
– Tá doido? O que você está fazendo? – perguntei.
– Tô devolvendo ele pra lagoa, uai! Antes que a concorrência apareça.
Foi pra capa, virou manchete.
A mesma sorte não tiveram os bombeiros e a equipe de reportagem de um antigo programa de televisão.
Certa vez, quando eu acompanhava a empreitada do Grupo Sada na retirada dos aguapés da lagoa da Pampulha, em 1993, avistamos dois barquinhos a remo, literalmente encalhados, próximo à ilha dos Amores. Pegamos nosso barco e saímos em socorro deles. Cinco homens do Corpo de Bombeiros, acompanhados por dois repórteres, tentavam, com dificuldade, sair do lugar. Estavam à procura dos jacarés, cuja existência tínhamos comunicado à imprensa dois dias antes. Derretidos de calor e cansaço, aceitaram de bom grado a nossa ajuda.
Relatei o fato a minha mãe, e ela, achando graça, comentou: “Iiiih! Se sua tia te vir na ilha com esse tanto de homens pelados, vai horrorizar!”
Detalhe: os bombeiros, sem camisa, vestiam minúsculas sungas. Não deu outra. O programa saiu no mesmo dia. E a tia, irmã mais velha de meu pai, ligou. Horrorizada.
Filmaram nosso barco, a tripulação, a ilha, os aguapés, o lixo e eu no meio. Menos o jacaré, é claro.