LEONARDO BOFF

Natal em tempos de Herodes, em que os inocentes são o povo

Lula e Dilma não conseguiram superar a arte finória dessa minoria


Publicado em 23 de dezembro de 2016 | 03:00
 
 
 
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O Natal deste ano será diferente. Geralmente, é a festa da confraternização das famílias. Para os cristãos, é a celebração da divina criança que veio para assumir nossa humanidade e fazê-la melhor.
No contexto atual, porém, em seu lugar assomou a figura de Herodes, o Grande (73 a.C. /4 a.C.). Zeloso por seu poder, ouviu que nascera em seu reino, a Judeia, um menino-rei. Foi quando ordenou degolar todos os meninos abaixo de dois anos (Mt 2,16). Ouviram-se então as palavras mais dolentes de toda Bíblia: “Em Ramá se ouviu uma voz, muito choro e gemido: é Raquel que chora os filhos e não quer ser consolada, porque eles já não existem” (Mt 2,18).

O assassinato de inocentes continua de outra forma. As políticas ultracapitalistas impostas pelo atual governo, tirando direitos, diminuindo salários, cortando benefícios sociais básicos, como saúde, educação, segurança e aposentadoria, e congelando por 20 anos as possibilidades de desenvolvimento, têm como consequência uma perversa e lenta matança de inocentes – a grande maioria pobre do país.
Aos legisladores não são desconhecidas as consequências letais derivadas da decisão de considerar mais importante o mercado que as pessoas.

Dentro de poucos anos, teremos uma classe de super-ricos (hoje são 71.440, segundo o Ipea, portanto, 0,05% da população brasileira), uma classe média amedrontada pelo risco de perder seu status, e milhões de pobres e párias que da pobreza passaram para a miséria.

Essa matança possui responsáveis. Boa parte dos legisladores da chamada “PEC da morte” não podem se eximir da pecha de serem os atuais Herodes do povo brasileiro.

As elites do dinheiro e do privilégio conseguiram voltar. Apoiados por parlamentares corruptos, de costas para o povo e moucos ao clamor das ruas, uma coligação de forças que envolve juízes justiceiros, o Ministério Público, a Polícia Federal e parte do Judiciário e da mídia corporativa e reacionária – não sem o respaldo da potência imperial interessada em nossas riquezas –, forjaram a demissão da então presidente Dilma Rousseff. O real motor do golpe é o capital financeiro, os bancos e os rentistas (não afetados pelas políticas de ajustes fiscais).

Com razão denuncia o cientista político Jessé Souza: “O Brasil é palco de uma disputa entre dois projetos: o sonho de um país grande e pujante para a maioria; e a realidade de uma elite da rapina que quer drenar o trabalho de todos e saquear as riquezas do país para o bolso de meia dúzia. A elite do dinheiro manda pelo simples fato de poder ‘comprar’ todas as outras elites” (FSP, 16.4.2016).

A tristeza é constatar que todo esse processo de espoliação é consequência da velha política de conciliação dos donos do dinheiro entre si e com os governos que vêm desde o tempo da Colônia. Lula e Dilma não conseguiram ou não souberam superar a arte finória dessa minoria dominante que, a pretexto da governabilidade, busca a conciliação entre si e com os governantes, concedendo alguns benefícios ao povo ao preço de manter intocada a natureza de seu processo de acumulação de riqueza.</CW>

Estamos vivendo a repetição dessa maléfica tradição da qual jamais nos livraremos sem o fortalecimento de um antipoder, vindo do andar de baixo, capaz de derrubar essa claque perversa e instaurar outro tipo de Estado, com outro tipo de política republicana, onde o bem comum se sobrepõe ao bem particular e corporativo.

O Natal deste ano é um Natal sob o signo de Herodes. Não obstante, cremos que a divina criança é o Messias libertador, e a estrela é generosa para nos mostrar melhores caminhos.

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