LEONARDO BOFF

O santo dos operários, dos sem-nome e dos sem-poder

Redação O Tempo


Publicado em 19 de janeiro de 2018 | 03:00
 
 
 
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Ao lado dos quatro evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas e João), que representam a inteligência da fé, pois são verdadeiras teologias acerca da figura de Jesus, existe uma vasta literatura apócrifa, que leva também o nome de evangelho, como o Evangelho de Pedro, o Evangelho de Maria Madalena e a história de José, o carpinteiro. Não foram acolhidos oficialmente por não se enquadrarem na ortodoxia dominante no século II e III. Obedecem à lógica do imaginário e preenchem o vazio de informações dos evangelhos, especialmente acerca da vida oculta de Jesus. Mas tiveram grande importância para a arte, especialmente na Renascença e na cultura popular. A própria teologia hoje, com novas hermenêuticas, os valoriza.

“A História de José, o Carpinteiro” (Vozes, 1990) é rica de informações sobre Jesus e José. Na verdade, se trata de uma longa narrativa de Jesus sobre seu pai José feita aos apóstolos. Então conta que José era um carpinteiro, viúvo, com seis filhos, quatro homens (Tiago, José, Simão e Judas) e duas mulheres (Lísia e Lídia). “Esse José é meu pai segundo a carne, com quem se uniu, como consorte, com minha mãe, Maria”.

Jesus narra a perturbação de José ao encontrar Maria grávida, sem a participação dele. Narra o nascimento de Jesus em Belém, a fuga para o Egito e a volta à Galileia. Termina dizendo: “Meu pai José, o ancião bendito, continuou exercendo a profissão de carpinteiro e assim, com o trabalho de suas mãos, pudemos manter-nos. Jamais se poderá dizer que comeu seu pão sem trabalhar”.

Referindo-se a si mesmo, Jesus diz: “Eu, de minha parte, chamava Maria de ‘minha mãe’ e a José de ‘meu pai’. Obedecia-lhes em tudo o que me ordenavam sem me permitir jamais replicar-lhes uma palavra. Pelo contrário, dedicava-lhes sempre grande carinho”.

Continuando, Jesus conta que José casou pela primeira vez quando tinha 40 anos. Permaneceu casado por 49 anos até a morte da esposa. Tinha portanto 89 anos. Ficou viúvo um ano. Depois dos esponsais com Maria até o nascimento de Jesus, ter-se-iam passado três anos. José teria, pois, 93 anos. Ficou com Maria 18 anos. Somando tudo, teria morrido com 111 anos.

Depois, com detalhes, narra que seu pai “perdeu a vontade de comer e de beber; sentiu perder a habilidade no desempenho de seu ofício”. Ao acercar-se a morte, José se lamenta, proferindo 11 ais. É o momento em que Jesus se revela grande consolador. “Depois ele exalou o espírito, e eu o beijei; eu me atirei sobre o corpo de meu pai José… fechei seus olhos e cerrei sua boca e levantei-me para contemplá-lo”.

No sepultamento, Jesus termina fazendo um balanço da vida de seu pai José. “Sua vida foi de 111 anos. Ao fim de tanto tempo, não tivera um só dente cariado e sua vista não se enfraquecera. Toda sua aparência era semelhante à de uma criança. Nunca sofreu qualquer indisposição física. Trabalhou continuamente em seu ofício de carpinteiro até o dia em que lhe sobreveio a enfermidade que o levaria à sepultura”.

Ao encerrar seu relato, Jesus deixa o seguinte mandato: “Quando fordes revestidos de minha força e receberdes o Espírito Paráclito e fordes enviados a pregar o Evangelho, pregai também a respeito de meu querido pai José”.

O livro que escrevi sobre são José, depois de 20 anos de pesquisa, quis responder ao mandato de Jesus.

A bem da verdade, ele ficou quase esquecido pela Igreja oficial. Mas o povo guardou-lhe a memória, pondo o nome de José a seus filhos, a cidades, a ruas e a escolas. Ele é o símbolo dos sem-nome, dos sem-poder, dos operários e da Igreja dos anônimos.

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