LEONARDO BOFF

Os golpes de 1964 e 2016: a mesma violência de classe

Redação O Tempo


Publicado em 09 de setembro de 2016 | 03:00
 
 
 
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Entre o golpe de 1964 e o golpe de 2016 há uma conaturalidade estrutural. Ambos são golpes de classe, dos donos do dinheiro e do poder: o primeiro usa os militares, o outro, o Parlamento. Os meios são diferentes, mas o resultado é o mesmo: um golpe com a ruptura democrática e a violação da soberania popular.

Vejamos o golpe de 1964. René Armand Dreifuss, em “1964: A Conquista do Estado, Ação Política, Poder e Golpe de Classe”, deixou claro: “O que houve no Brasil não foi um golpe militar, mas um golpe de classe com uso da força militar”.

O assalto ao poder de Estado foi tramado pelo general Golbery de Couto e Silva utilizando-se de quatro instituições: o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes), o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad), o Grupo de Levantamento de Conjuntura e a Escola Superior de Guerra (ESG). O objetivo era “readequar e reformular o Estado” para que fosse funcional aos interesses do capital nacional e transnacional. Eis o caráter de classe do golpe.

O assalto ao Estado se deu em 1964 e em 1968, com repressão, tortura e assassinatos. O regime de segurança nacional passou a ser o regime de segurança do capital.

Para o golpe de 2016 temos uma minuciosa investigação do sociólogo e ex-presidente do Ipea Jessé Souza, “A Radiografia do Golpe”. Jessé desvela os mecanismos que permitiram à elite do dinheiro ser a “mandante” do golpe realizado em seu nome pelo Parlamento. Portanto, trata-se de um golpe de classe parlamentar.

Jessé enfatiza que “todos os golpes, inclusive o atual, são uma fraude bem-perpetrada dos donos do dinheiro, que são os reais ‘donos do poder’”. Quem compõe essa elite? É a elite financeira, que comanda os grandes bancos e fundos de investimento e que lidera outras facções de endinheirados, como a do agronegócio, a da indústria (Fiesp) e a do comércio, secundada pelos meios de divulgação que distorcem e fraudam sistematicamente a realidade social como se fosse “terra arrasada e país falido” (é exagero), escondendo os interesses corporativos por trás da fraude golpista.

O motor do processo, reafirma Jessé, é a voracidade da elite do dinheiro de se apropriar da riqueza coletiva com outros sócios, como a mídia ultraconservadora, o complexo jurídico-policial do Estado e parcela do STF (pense-se em Gilmar Mendes).

O processo de impeachment foi parar no Senado. Este promoveu a destituição da presidente por crime de responsabilidade fiscal. Juristas e economistas, além de testemunhas, negaram a existência de irresponsabilidade. A maioria dos senadores já havia tomado previamente a decisão de depor a presidente.

A conversa entre Romero Jucá, então ministro do Planejamento, e o ex-diretor da Transpetro Sérgio Machado, que foi vazada, revelou a tramoia: “Um grande acordo nacional com o Supremo para estancar a sangria da Lava Jato”, livrando do braço da Justiça 49 de 81 senadores indiciados ou metidos em corrupção. Dessa forma, com exceção dos defensores de Dilma, decidiram depor uma mulher honesta e inocente.

Condenar sem crime é golpe. Golpe de classe e parlamentar. Golpe significa violar a Constituição e trair a soberania popular por força da qual Dilma Rousseff se elegeu com 54 milhões de votos.

Ontem, em 1964, e hoje, em 2016, seja por via militar, seja por via parlamentar, funciona a mesma lógica: as elites econômico-financeiras e a casta política conservadora praticam a rapinagem de grande parte da renda nacional, contra a vida e o bem-estar da maior parte do povo, submetido à pobreza.

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