LEONARDO BOFF

Que governo poderá cortar os quatro nós górdios do Brasil?

Redação O Tempo


Publicado em 22 de setembro de 2017 | 03:00
 
 
 
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O Brasil está amarrado a quatro nós górdios que ninguém conseguiu ainda desatar e assim libertá-lo para construir um país livre e soberano.

O nó górdio vem de uma lenda da Frígia, para onde eram levados os políticos corruptos e, na Era Cristã, os hereges. Era uma espécie de Sibéria, lugar de punição a opositores e defensores de doutrinas heterodoxas.

A lenda diz que, tendo ficado vacante o trono, foi escolhido como rei um camponês de nome Górdio. Veio com seu carro de bois. E, para honrar Zeus e mostrar a humildade de sua origem, colocou a carroça dentro do templo. Amarrou-a com corda com infindáveis nós, de sorte que ninguém conseguia desatá-os. E assim ficou por muito tempo. Até que, no ano 334 a. C., passou por lá Alexandre, o Grande. Curioso, foi ver os nós. Teve uma iluminação. Desembainhou a espada. Num golpe, cortou a corda. Daí derivou a conclusão de que uma ideia fora dos quadros convencionais pode facilmente desatar os nós e resolver o problema.

O Brasil está amarrado a quatro nós górdios, sem que chegue alguém que liberte o país deles. Mas um dia isso irromperá.

O primeiro é o etnocídio indígena. Eram cerca de 4 milhões. O extermínio os reduziu a 800 mil hoje. O extermínio mais vergonhoso foi a decisão de dom João VI, em 1808, de declarar uma guerra contra os Krenak (botocudos) do Vale do Rio Doce. Eram tidos como indomesticáveis. Quase foram exterminados. Alguns fugiram, e hoje Ailton Krenak é um dos líderes maiores dos povos sobreviventes. Esses povos originários são tratados como inferiores até hoje, suas terras não são demarcadas, e muitos deles são ainda assassinados.

O segundo nó górdio é nosso passado colonial. Todo processo colonialista é violento: implica invadir terras, impor a língua, a política e a religião e desestruturar a cultura dos colonizados. A Colônia criou duas instituições que se transformaram em estruturas mentais: a casa-grande do senhor, que tem o poder de vida e morte sobre os subordinados, e a senzala, onde vivem os escravos, sem qualquer direito. Sempre dependemos de fora, considerando o que é estrangeiro melhor do que nosso próprio produto. Deixamos surgir o sentimento de “vira-lata” sem autovalorização.

O terceiro nó górdio foi a escravidão. Quatro e meio milhões de africanos foram trazidos como escravos. Eram postos no pelourinho para serem vendidos como trabalhadores no engenho ou como serviçais nas cidades. Eram proibidos de constituir família. Os filhos eram vendidos para longe, rompendo o laço de afeto com a mãe. Eram tratados como animais. Daí resultam a falta de respeito, a discriminação e o ódio contra os negros e seus descendentes. Isso perdura até os dias de hoje.

O quarto nó górdio que obnubila a realidade brasileira é o patrimonialismo associado à corrupção. As oligarquias consideram privado o bem público, ocupando altos postos no aparelho do Estado. Controlam as políticas públicas. Aliam-se a empresas privadas para realizar projetos do Estado, ganhando propinas pela mediação ou superfaturando as obras. A corrupção foi naturalizada. Somente agora os donos de grandes empresas e políticos dos mais altos escalões foram desmascarados pela Lava Jato, e muitos deles, postos na prisão. Esse nó górdio é o mais difícil de ser desatado.

Se o Brasil quiser construir seu próprio caminho, ganhar autonomia e contribuir para o devenir da nova fase planetária da Terra, deverá cortar esses quatro nós górdios. Um governo com liderança e coragem, e com sentido de nacionalidade, poderá fazer isso. Não percamos a esperança de que esse dia chegará. 

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