As escrituras ensinam: quem caiu sempre pode se levantar

Recado para o PT: são possíveis a autocorreção e o recomeço

Redação O Tempo


Publicado em 29 de maio de 2015 | 03:00
 
 
 
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Nem toda crise, nem todo caos são necessariamente ruins. A crise acrisola, funciona como um crisol que purifica o ouro das gangas e o libera para um novo uso. O caos não é só caótico; ele pode ser generativo.

A atual crise política e o caos social obedecem à lógica descrita acima. Oferecem uma oportunidade de refundação da ordem social a partir do caos social e dos elementos depurados da crise. Como no Brasil fazemos tudo pela metade e não concluímos quase nenhum projeto (Independência, Abolição da Escravatura, República etc.), há o risco de que percamos novamente a oportunidade atual de fazermos algo realmente profundo e cabal ou continuaremos com a costumeira ilusão de que, colocando esparadrapos, curamos a ferida que gangrena a vida social já por tanto tempo.

Antes de qualquer iniciativa nova, o PT deve fazer o que até agora nunca fez: uma autocrítica pública e humilde dos erros cometidos. Sabemos que a direita explorará o fato, mas eu creio na força intrínseca da verdade e da sinceridade. O povo entenderá.

Cito Frei Betto, que esteve dentro do poder central e idealizou o Fome Zero. Ao perceber os desvios, deixou o governo, comentando: “O PT, em 12 anos, não promoveu nenhuma reforma da estrutura, nem agrária, nem tributária, nem política. Havia alternativa para o PT? Sim, se não houvesse jogado sua garantia de governabilidade nos braços do mercado e do Congresso; se tivesse promovido a reforma agrária; se ousasse fazer a reforma tributária recomendada por Piketty; se houvesse, enfim, assegurado a governabilidade prioritariamente pelo apoio dos movimentos sociais. Se o governo não voltar a beber na sua fonte de origem – os movimentos sociais e as propostas originais do PT –, as forças conservadoras voltarão a ocupar o Planalto”.

E, agora, concluo eu: temos posto a perder a revolução pacífica e popular feita a partir de 2003, quando ocorreu não uma troca de poder, mas a troca da base social que sustenta o Estado: o povo organizado, antes à margem e agora colocado no centro. O PT pode suportar a rejeição dos poderosos. O que não pode é defraudar o povo e os humildes, que tanta confiança e esperança colocaram no partido. E muitos, como eu e Frei Betto, que nunca nos inscrevemos no PT, mas sempre apoiamos sua causa, por vê-la justa e afim às propostas sociais da Igreja da Libertação, sentimos abatimento e decepção. Não precisava ser assim.

Nem por isso desistiremos. No espectro político atual não vemos nenhum projeto que fuja da submissão ao capitalismo neoliberal, que faça a sociedade menos malvada e que apresente lideranças confiáveis que tornem melhor a vida do povo. A vida nos ensina e as escrituras cristãs não se cansam de repetir: quem caiu sempre pode se levantar.

O PT tem que recomeçar lá embaixo, humilde e aberto, a aprender dos erros e da sabedoria do povo trabalhador. Valem ainda os ideais primeiros: inclusão social, desenvolvimento social com distribuição de renda e redistribuição da riqueza, cuidado com a natureza. Mas tudo isso não terá sustentabilidade se não vier acompanhado por uma reforma política e tributária e pesado investimento na agroecologia.

Para que isso ocorra, precisamos acreditar na justeza dessa causa, nos fortalecer face à batalha que será travada contra o PT por aqueles que vivem batendo panelas cheias porque nunca querem mudanças por medo de perderem benefícios. Jamais usar as armas que eles usam – mentiras e distorções –, mas usar a verdade, a transparência, a humildade e a vontade de melhorar. Vale o que dom Quixote sentenciou: não devemos aceitar as derrotas sem antes dar as batalhas.

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