LEONARDO BOFF

Trump, a Europa e a primeira virtude da sociedade mundial

Redação O Tempo


Publicado em 17 de fevereiro de 2017 | 03:00
 
 
 
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Os Estados Unidos sempre se distinguiram por serem um país extremamente hospitaleiro, pois, à exceção dos povos originários, os indígenas, praticamente toda a população é composta por imigrantes. Bem como o Brasil, para onde vieram representantes de 60 povos diferentes.

O espírito democrático e o respeito às diferenças religiosas estão consignados na Constituição daquele país. Agora, surge um presidente, Donald Trump, que rompe uma longa tradição norte-americana: o respeito às diferenças religiosas.

O filósofo Immanuel Kant, em seu último escrito, “A Paz Perpétua”, propunha a República mundial, baseada fundamentalmente em dois princípios: a hospitalidade e o respeito aos direitos humanos. Para ele, a hospitalidade é a primeira virtude dessa República mundial, um direito e um dever de todos. O segundo princípio é constituído pelos direitos humanos, que Kant considera “a menina dos olhos de Deus”.

A hospitalidade está sendo negada a milhares de refugiados na Europa, que estão escapando de guerras apoiadas pelos ocidentais. Essa mesma hospitalidade é explicita e conscientemente recusada por parte de Donald Trump a milhares e até milhões de estrangeiros e trabalhadores ilegais.

É nesse contexto que vale lembrar um dos mais belos mitos da cultura grega: a hospitalidade oferecida por um casal de velhinhos, Filêmon e Báucis, a duas divindades: Zeus, o deus supremo, e seu acompanhante, o deus Hermes.

Conta o mito que Zeus e Hermes se travestiram de andarilhos miseráveis para testar quanta hospitalidade ainda restava sobre a Terra. Foram repelidos por todos por onde quer que passassem. Mas eis que, num entardecer, mortos de fome e de cansaço, foram calorosamente acolhidos pelos bons velhinhos. Quando estavam se preparando para repousar, despindo seus trapos, resolveram revelar sua verdadeira natureza divina. Num abrir e fechar de olhos, transformaram a mísera choupana num esplêndido templo.

As divindades pediram que ambos fizessem um pedido, que seria prontamente atendido. Como se tivessem combinado previamente, Filêmon e Báucis disseram que queriam continuar no templo, recebendo os peregrinos, e que, no fim da vida, os dois, depois de tão longo amor, pudessem morrer juntos. E foram atendidos.

Um dia, de repente, o corpo de Báucis se revestiu de folhagens floridas, e o de Filêmon também se cobriu de folhas verdes. Mal puderam dizer adeus um ao outro: Filêmon foi transformado num enorme carvalho, e Báucis, numa frondosa tília. As copas e os galhos se entrelaçaram no alto. E assim, abraçados, ficaram unidos para sempre.

A hospitalidade é um teste para ver quanto de humanismo, compaixão e solidariedade existe numa sociedade. Atrás de cada refugiado para a Europa e de cada imigrante para os EUA, há um oceano de sofrimento e angústia e também de esperança de dias melhores. A rejeição é particularmente humilhante, pois lhes dá a impressão de que não valem nada.

Os refugiados vão para a Europa porque, antes, os europeus estiveram por séculos em seus países, assumindo o poder, impondo-lhes costumes diferentes e explorando suas riquezas. E agora, que estão tão necessitados, são simplesmente rejeitados.

Vale resgatar o valor e a urgência da hospitalidade, presente como algo sagrado em todas as culturas humanas. Temos que nos reinventar como seres hospitaleiros para estarmos à altura dos milhões de refugiados e imigrantes no mundo inteiro.

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