LEONARDO BOFF

Um sistema que busca o lucro ilimitado, eis onde está o poder

Redação O Tempo


Publicado em 28 de outubro de 2016 | 03:00
 
 
 
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Há um fato que deve preocupar a todos os cidadãos do mundo: o deslocamento do poder dos Estados-nações para o lado do poder de uns poucos conglomerados financeiros que atuam em nível planetário, cujo poder é maior que o de qualquer Estado tomado individualmente. Estes, de fato, detêm o poder real em todas as suas ramificações: financeira, política, tecnológica, comercial, midiática e militar.

Esse fato vem sendo estudado e acompanhado por um de nossos melhores economistas, professor da pós-graduação da PUC-SP, com larga experiência internacional: Ladislau Dowbor. É difícil resumir a mole de informações, que se apresentam assustadoras. Dowbor sintetiza: “O poder mundial realmente existente está em grande parte na mão de gigantes que ninguém elegeu e sobre os quais há cada vez menos controle”.

Além da literatura específica, Dowbor se remete aos dados de duas grandes instituições que se debruçam sistematicamente sobre os mecanismos dos gigantes corporativos: o Instituto Federal Suíço de Pesquisa Tecnológica (que rivaliza com o famoso MIT, dos Estados Unidos) e o banco Crédit Suisse, exatamente aquele que administra as grandes fortunas mundiais e que, portanto, sabe das coisas. Os dados arrolados por essas fontes são espantosos: 1% mais rico controla mais da metade da riqueza mundial. Sessenta e duas famílias têm um patrimônio igual ao da metade mais pobre da população da Terra. Dezesseis grupos controlam quase a totalidade do comércio de commodities.

Dos 29 gigantes planetários, 75% são bancos, tidos como “sistemicamente importantes”, pois sua eventual falência levaria todo o sistema ao abismo ou próximo a ele, com consequências funestas para a humanidade. O mais grave é que não existe nenhuma regulação para seu funcionamento. Não existe ainda uma governança mundial que cuide não só das finanças, mas do destino social e ecológico da vida e do próprio sistema Terra.

Nossos conceitos se evaporam quando, recorda Dowbor, se lê na capa do “The Economist” que o faturamento da empresa Black Rock é de US$ 14 trilhões, sendo que o PIB dos EUA é de US$ 15 trilhões, enquanto o do pobre Brasil mal alcança US$ 1,6 trilhão. Esses gigantes planetários manejam cerca de US$ 50 trilhões, o equivalente à totalidade da dívida pública do planeta.

O importante é conhecer seu propósito e sua lógica: visam simplesmente ao lucro ilimitado. Uma empresa de alimentos compra uma mineradora sem qualquer expertise no ramo, apenas porque dá lucro. Não há nenhum sentido humanitário, como, por exemplo, tirar uma pequeníssima parcela dos lucros para um fundo contra a fome ou a diminuição da mortalidade infantil. Para eles, isso é tarefa do Estado, e não dos acionistas, que só querem lucros.

Por essas razões, entendemos a iracúndia sagrada do papa Francisco contra um sistema que apenas quer a acumulação de dinheiro à custa da pobreza das grandes maiorias e da degradação da natureza. Uma economia, diz ele, “que tem como centro o deus dinheiro, e não a pessoa: eis o terrorismo fundamental contra toda a humanidade”. Em sua encíclica ecológica, chama-o de um “sistema antivida” e com tendência suicida.

Esse sistema é homicida, biocida, ecocida e geocida. Como pode tanta desumanidade prosperar sobre a face da Terra? A vida é sagrada, e, quando sistematicamente agredida, chega o dia em que ela se vingará, destruindo aquele que a quer destruir. Esse sistema está buscando o próprio fim trágico. Oxalá a espécie humana sobreviva.

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