LUCAS SIMÕES

Cunhofobia

Redação O Tempo


Publicado em 30 de abril de 2016 | 03:46
 
 
 
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O jogo é assim: Eduardo Cunha perde a votação, manda votar de novo, e aí ganha. Como o moleque que ameaça levar a bola embora se o time dele perder na pelada de rua. Aí o time dele vence e todo mundo continua jogando.

Mas há quem diga que o Congresso Nacional sofra de cunhofobia. Ou seja: uma aversão inexplicada a Cunha. Só porque ele é o autor da maioria dos projetos de lei contra o aborto, um dos principais parlamentares militantes contra o casamento gay; só porque ele disse que democratizar a internet vai encarecer os processos, então, é melhor fazer uma emenda para cobrar três vezes mais de quem usa Netflix e YouTube.

Cunha está além dos playgrounds, do preconceito e do ódio. É réu no STF por lavagem de dinheiro, corrupção passiva e ocultação de contas no exterior. Mas é claro que a cunhofobia faz sentido. Certo? Não para o árbitro da partida que ele disputa.

Cunha fez um conluio com um subprocurador de justiça e seu advogado, forjando documentos falsos para conseguir se livrar de uma condenação do TSE-RJ por processo ilícito em campanha. O Ministério Público Federal provou o esquema. Mas só o subprocurador foi preso.

Cunha é réu na Lava Jato, a maior operação contra a corrupção do país, mas presidiu o rito que deu o pontapé para o impeachment em curso da presidenta Dilma Rousseff – dentro da (a)normalidade do regimento da casa, reza a lenda.

Cunha foi delatado por um policial federal que disse ter entregado propina pessoalmente na casa do deputado, na Barra da Tijuca. Acumulou US$ 5 milhões na Suíça e escondeu suas contas bancárias no exterior por pelo menos sete anos. A Procuradoria Geral do Banco Central descobriu e achou suficiente aplicar uma multa de R$ 1 milhão ao deputado pelo conjunto da obra. Aí o ex-vice presidente da Caixa Econômica Federal Fábio Cleto resolveu jogar essa bolada para cima, revelando que Cunha recebeu, na verdade, R$ 52 milhões em troca de liberação de verbas do FGTS. E sabe-se lá onde foi parar essa grana.

Não sou do business, mas parece um bom negócio lucrar R$ 51milhões em menos de uma década. É como ganhar de goleada todos os campeonatos dos últimos anos, cara.

Recentemente, Cunha conseguiu reunir a maioria dos deputados para aprovar um aumento de 78% ao judiciário – que vai custar cerca de R$ 27 bilhões aos cofres públicos nos próximos quatro anos.

O STF, a mais alta corte do país na qual Cunha e pelo menos outros 200 parlamentares têm processos, arrumou um tempo para julgar se poderemos entrar no cinema com pipoca e outras guloseimas, tipo um milk-shake do McDonald’s ou balas jujuba. Quatro meses se passaram e a mais alta corte do país ainda não conseguiu uma data para apreciar a cassação de Cunha. E de mais ninguém.

Talvez por isso Cunha acorde todo dia para trabalhar no Congresso Nacional com a mesma cara impassível de sempre. Senta na cadeira da presidência da Câmara dos Deputados. Parece dormir bem. Vez ou outra deixa um riso escorrer pela boca torta. Quase nunca fica vermelho. Chama a todos de senhores e senhoras e vai ao microfone para falar em ordem e respeito institucional. Não há emoção em seu rosto, não há expressão reveladora em seus gestos. É tudo clean, impassível, gelado na indiferença de ser uma curva intangível dentro da sua própria lei. Cunha continua jogando, alheio a cartões vermelhos. Afinal, até o juiz se cala quando ele ameaça levar a bola para casa.

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