A humildade é uma virtude. Ninguém discutiria isso, pelo menos no âmbito pessoal. Mas quando pensamos no âmbito profissional, no campo dos negócios, como encaramos essa virtude?
Considerando que o ambiente corporativo é tão competitivo e que precisamos sempre mostrar auto-confiança, há espaço para a “humildade”? Não seria essa uma virtude mais para os fracos e não para os verdadeiros e pragmáticos executivos que de fato entregam resultados?
Um aspecto importante é como encaramos a humildade. Ela não tem, definitivamente, o significado de fraqueza, mas sim de compreensão de nossas próprias limitações. Mas, curiosamente, a humildade é muitas vezes associada à fraqueza – a pessoa humilde não seria capaz de defender seus pontos de vista e a ela seriam impostos, continuamente, os pontos de vista de outras pessoas.
Humildade é, portanto, a compreensão de nossas limitações. De que limitações estamos falando?
Podemos começar pensando nas limitações de nossa própria cognição. Ainda que a economia tenha popularizado o conceito do homo economicus, completamente racional e otimizador, sabemos que essa representação do ser humano é muito distante da nossa realidade.
Primeiro porque não somos tão racionais como imaginamos – a economia comportamental mostra que temos dezenas de vieses que afetam decisivamente a forma como tomamos decisões. Quem imaginaria que o simples fato de sermos expostos a número aleatória, antes de fazer uma estimativa, poderia influenciar essa estimativa? Quanto maior esse número, ainda que sem significado nenhum, maior será a nossa estimativa, no muito bem documentado “viés da ancoragem”. Quem imaginaria que a facilidade com que nos lembramos de um evento pode confundir completamente nossa avaliação de risco? É isso que acontece no viés da “disponibilidade”, em que nos lembramos muito mais de um acidente marcante de avião, do que todos os milhares de acidentes de carros, e ai ficamos com mais medo de viajar de avião do que de carro!
E nem somos tão otimizantes como gostaríamos de ser. Temos uma racionalidade limitada (bounded rationality, um conceito de Herbert Simon): simplesmente não conseguimos coletar nem processar todas informações necessárias para tomar uma decisão que poderia ser considerada ótima. Simplesmente não estamos aparelhados para isso – o que conseguimos é tomar decisões satisfatórias, em determinados contextos.
Prosseguindo no nosso entendimento das limitações, podemos adicionar, o fato de vivermos em um ambiente cada vez mais complexo, cada vez menos previsível, cada vez mais longe da visão mecanicista. Falei um pouco sobre isso na coluna. Mesmo eventos determinísticos podem causar resultados inesperados. Quando levamos essa realidade para o ambiente de negócios, cada vez mais conectado, cada vez mais com fronteiras entre segmentos diferentes se borrando, novas tecnologias surgindo e causando disrupção em antigos modelos de negócio, mais, eu diria, humildes, deveríamos ficar...
Somos, então, um ser de racionalidade limitada, vivendo em um mundo complexo, emergente, imprevisível. Mas e as pessoas excepcionais, os Bill Gates, os Steve Jobs, os Bezos, não são exemplo de pessoas que sabem o que fazer, que seriam bem sucedidas em qualquer época? Como falar em limitações para esse tipo de executivo bem sucedido? Por que eles deveriam ser humildes?
Para refletir sobre isso, gostaria de contar uma história que li em um livro de László Barabási. Segundo ele, fizeram um estudo sobre o desempenho de jogadores de golfe quando Tiger Woods se encontrava em seu auge. Quando Tiger Woods não jogava, por algum motivo, o desempenho dos golfistas aumentava! Vejam que curioso: o esporte é individual, em tese o desempenho de um golfista não depende do desempenho do outro, mas a presença ou não de Tiger Woods fazia toda a diferença! Por que? Porque ela trazia consigo uma aura de sucesso que impunha enorme pressão nos demais competidores.
E aí o autor explica: o sucesso não está na pessoa, mas em sua rede. O desempenho é da pessoa, o sucesso é trazido por sua rede – sua rede de amigos, de fãs, de competidores, de colegas de trabalho. E, ao contrário do desempenho de cada um – que é limitado – o sucesso é ilimitado, ele pode ser amplificado infinitamente pela rede.
O exemplo de Tiger Woods é extremo, pois estamos falando de um esporte individual e totalmente dependente do desempenho de cada um. Mas, mesmo nesse contexto, podemos ver que o sucesso de Tiger Woords – amplificado e mistificado por sua rede – é capaz de criar.. ainda mais sucesso!
Imagine agora no mundo de negócios, em grandes corporação, em contextos onde milhares de decisões são tomadas em todos os níveis, em que os resultados são explicados por múltiplas variáveis, onde a contingência impera – o simples momento em que um produto é lançado pode mudar toda sua história – podemos realmente atribuir os resultados a um desempenho incomparável do executivo que comanda a empresa? Certamente ele é importante, certamente ele é competente, mas o ponto aqui é que ele não é tão único e nem é um ser livre de nossas limitações cognitivas!
Volto ao ponto de partida do início dessa coluna: será que a humildade, além de uma virtude indiscutível no convívio do dia a dia, seria necessária no ambiente de trabalho? Quando entendemos que somos limitados do ponto de vista cognitivo, que estamos imersos em um mundo complexo e que nosso próprio desempenho, por maior que seja nosso sucesso, é limitado, a resposta se torna óbvia: a humildade não é necessária, ela é inevitável!