O giro da comitiva brasileira em Nova York deixou uma mensagem muito clara para a comunidade internacional: nossa esquerda está fora de contexto na atualidade global. À mesma medida que o mundo assiste ao nascimento de esquerdas modernas e engajadas em princípios, ainda subsistem governos abraçados a um viés ultrapassado e maniqueísta, no qual alianças e crenças do passado representam mais do que a moral que se espera de líderes democráticos.
O Brasil tem a obrigação, na qualidade de maior país da América Latina, de agir dentro de princípios que transcendem alianças, laços políticos ou amizade pessoal. O foco deve ser sempre a preservação da democracia e do respeito humanitário, há tempos esquecido nos porões dos regimes amigos. Algo que se aplica diretamente a Maduro, Díaz-Canel e aos crimes cometidos por Ortega, inaceitáveis para qualquer governo democrático. Denunciar o embargo ao regime ditatorial cubano sem lembrar seus crimes e silenciar sobre aquilo que acontece na Venezuela e Nicarágua é praticar uma diplomacia humanitária à la carte, algo que expõe o viés ultrapassado da liderança brasileira.
Se o Brasil pleiteia ter relevância internacional, é inaceitável, por exemplo, se omitir diante de temas de relevância global, como os crimes cometidos contra a Ucrânia, hoje epicentro de um dos teatros de guerra mais brutais do planeta. O presidente Zelensky, que enfrenta a invasão russa há dois anos, estava presente na Assembleia Geral das Nações Unidas e assistiu ao Brasil mais uma vez silenciar sobre o drama vivido pela população ucraniana. Uma atitude inaceitável para um país que deseja ocupar uma posição de protagonismo nos organismos internacionais.
A agenda brasileira também soa fora de tempo e contexto. O foco de nossa diplomacia, por exemplo, ainda passa pela ilusória reforma do sistema de governança das Nações Unidas, em especial o Conselho de Segurança, algo já vetado pelos principais sócios do Brasil no clube dos Brics, Rússia e China. Uma agenda que Lula encampou em 2003 e segue sendo repetida à exaustão 21 anos depois, mesmo com a clara certeza de que não prosperará.
Nosso país deveria ter seu foco em fóruns e instrumentos onde guarda relevância e pode tornar-se referência. A agenda ambiental é um desses temas. Porém, ao mesmo tempo que o presidente defende uma diminuição da dependência de combustíveis fósseis e celebra a matriz energética limpa de nosso país, defende a exploração de petróleo na foz do Amazonas, distanciando o discurso da prática de seu governo. Um movimento que causa confusão aos agentes internacionais, à mesma medida que arranha a imagem de nosso país como liderança ambiental relevante nos fóruns globais.
Existem no mundo esquerdas que se modernizaram e abraçaram princípios em vez de velhas ideias ultrapassadas. O Brasil ainda não realizou uma troca geracional dentro dos quadros da esquerda, e nada indica que o caminho de renovação traga a modernidade e a virtude necessárias para o início de um novo período. Vivemos ainda com uma esquerda nacionalista, ultrapassada e sindicalista, inteiramente dissociada dos desafios do mundo atual. É um final amargo de ciclo. O atraso advindo desse cenário não deveria nos surpreender e o menor risco de prosperidade nem sequer nos iludir.