MÁRCIO COIMBRA

Debate impositivo

A discussão em torno do Orçamento impositivo acendeu uma fagulha entre governo e Parlamento, um debate que muda de acordo com os atores que estão ocupando as duas Casas


Publicado em 02 de março de 2020 | 03:00
 
 
 
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A discussão em torno do Orçamento impositivo acendeu uma fagulha entre governo e Parlamento, um debate que muda de acordo com os atores que estão ocupando as duas casas. Algo que infelizmente fica longe de uma ponderação institucional e republicana sobre o papel dos Poderes e o controle da alocação dos recursos públicos.
Enquanto parlamentar, Bolsonaro disse ainda em 2015: “O que um parlamentar tem para negociar em Brasília? É seu voto. Esse Congresso melhorou muito em relação ao do passado, em especial graças ao atual presidente, Eduardo Cunha, que aprovou uma PEC que trata do Orçamento impositivo”. E completa: “Não fica refém. O governo não está refém, o governo tem de respeitar. Somos três Poderes aqui”.

Como dizia o presidente norte-americano Gerald Ford, que foi parlamentar antes de ocupar a Casa Branca: “Somente depois de chegar ao Salão Oval mudei minha percepção sobre certos temas”. Isto realmente acontece e pode ter sido um fenômeno que impactou Bolsonaro depois de observar o governo pelo outro lado da praça, com reflexos sobre o tema do Orçamento impositivo. Em conversas privadas, refletiu que o acordo é uma tentativa de impor um parlamentarismo branco: “Respeitamos o Legislativo, mas quem executa o Orçamento somos nós”.

Na verdade, o funcionamento do Orçamento ocorre de maneira inversa. Em modelos presidencialistas, como nos Estados Unidos, funciona de forma impositiva, onde, depois de elaborado pelo Parlamento, a obrigatoriedade de execução está nas mãos do governo. Quando há risco de não atingir a meta fiscal, por frustração de receitas ou despesas excessivas, o Executivo tem que pedir autorização ao Legislativo.

Em modelos parlamentaristas, a tarefa de definição do Orçamento é tipicamente do Executivo, uma vez que o governo nasce dentro do Congresso Nacional mediante formação de maioria. Como vemos, é inexata, para não dizer inversa, a tese de que o Orçamento impositivo transforma o sistema presidencialista em um parlamentarismo. Pelo contrário, a adoção deste modelo torna o sistema presidencialista realmente presidencialista, portanto mais bem acabado e balanceado diante do princípio de freios e contrapesos institucionais, assim como ocorre nos Estados Unidos.

Não há porque enxergar chantagem neste desenho, uma vez que evita excessos e acúmulo de poder no Executivo. Se o presidente foi eleito por 57 milhões de brasileiros, vale lembrar que a atual composição da Câmara dos Deputados foi eleita, no mesmo pleito, com cerca de 100 milhões de votos – isto sem falar naqueles que elegeram os senadores. O Congresso Nacional continua a ser a melhor tradução da democracia no país, um retrato da nação diversa, onde os mais diferentes grupos possuem voz, portanto o melhor cenário para o debate e busca do equilíbrio institucional da República. A única instituição que, por exemplo, forneceu voz a Bolsonaro quando a esquerda dominava o país.

O debate sobre o Orçamento precisa ir além da discussão rasa de brigas de torcida e incendiários que se alimentam do confronto e enfrentamento. Se vivemos em um presidencialismo, já chegou o momento de entender a dinâmica da divisão de poderes de forma republicana e institucional.

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