MÁRCIO COIMBRA

Força política

A sede pela moralidade, presente na última década, não é a mesma. O povo, entregue, tornou-se novamente refém do governo

Por Márcio Coimbra
Publicado em 06 de abril de 2022 | 05:00
 
 
 
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O caminho em direção ao Planalto é cheio de alianças, armadilhas e emboscadas. Depois de 2018, o sistema se reorganiza e asfalta seu retorno em grande estilo. Assim como na Itália de Berlusconi, o Brasil vive a ressaca da caça à corrupção e o retorno das antigas forças de maneira intensa e determinada. O script vem sendo seguido à risca, e vemos que nosso país pode estar prestes a repetir mais uma vez os passos do modelo italiano.

Fato é que a rejeição à política moveu as estruturas do sistema, que, cheio de novatos, foi incapaz de reagir aos profissionais, que aos poucos domaram as estruturas e mais uma vez passaram a dar as cartas. A revoada da nova política se tornou, na verdade, instrumento de fortalecimento das antigas práticas, revivendo mais uma vez os erros que levaram à implosão do sistema. Um modelo cíclico, repetido de forma periódica.

A sucessão fornece o tom daqueles que distribuem as cartas e escrevem as regras. A sede pela moralidade, presente na última década, não é a mesma. O povo, entregue, tornou-se novamente refém do governo. Ao clamar por auxílios, emprego e dignidade, mudou o patamar da agenda do país, tragado pelo clientelismo básico operado pelos atores tradicionais, que reassumiram seus postos sem qualquer pudor ou cerimônia.

Isso explica em certa medida a polarização vivida em nosso quadro político, que, ao ressuscitar antigos jogadores, tenta reproduzir um modelo de fácil absorção pelo eleitor. Uma disputa que simplesmente realoca os atores principais em seus picadeiros, com vista à manutenção de seus interesses. Passado o período das ruas e manifestações, a reacomodação tornou-se prioridade para aqueles que novamente assumem o papel de protagonistas nesse enredo.

Por certo, alguma mudança permanecerá, porém ainda sem a fortaleza e o ímpeto necessários para mudar a correlação de forças, que, além de dar as cartas, escreve as regras do jogo. Ao perder a chance posta em 2018, talvez o país ainda demore muito para reviver uma janela de oportunidade como aquela. Um novo ciclo político está apenas começando, e seus desdobramentos ainda amadurecerão por algum tempo.

A força política mostrada pelo sistema, que se vendeu como instrumento de renovação para simplesmente operar sua manutenção, foi o grande truque, operado com esmero e sofisticação, que tornou o país refém da polarização. O resultado é simples, pois, independentemente de quem vença, o mecanismo permanece em operação, escrevendo as regras e distribuindo as cartas.

Assim como na Itália, estamos assistindo à restauração do sistema mediante aprovação de leis, tornando investigações mais difíceis, blindando seus atores. A regeneração do mecanismo mostrou sua face com enorme resiliência, usando também os eleitos pela renovação para operar em seu próprio favor. Como disse, o script vem sendo seguido à risca, sem qualquer chance aparente de mudarmos o seu final.

Isso explica a dificuldade da terceira via em furar o bloqueio polarizado do sistema e o fato de que, apesar de termos um contingente amplo de brasileiros dispostos a evitar a polarização, nós nos tornamos reféns de sua operação de restauração. Mais do que votos, aprendemos que a nossa democracia opera, na verdade, simplesmente pelas regras não escritas da força política.

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