MÁRCIO COIMBRA

Nova política

Não se desmonta o presidencialismo de coalizão por vontade própria ou decreto


Publicado em 24 de junho de 2019 | 03:00
 
 
 
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Bolsonaro chegou ao poder prometendo mudanças profundas, em especial no tocante ao sistema político. A promessa faz sentido, uma vez que sua eleição representa o fim da Nova República e o início de um novo ciclo na política brasileira. Essa mudança, contudo, deveria compreender uma reforma do modelo, alterando dispositivos que moldam o sistema do presidencialismo de coalizão. O estabelecimento dos alicerces da chamada “nova política” somente iria se impor diante da mudança das regras do jogo.

A opção, contudo, foi outra. Decidiu-se tentar subverter os mecanismos do sistema, sem alterar suas regras de funcionamento e sua dinâmica interna. Ao rejeitar de forma pura e simples o presidencialismo de coalizão sem alterar suas estruturas, o governo entrou em rota de colisão com a política. Em vez de se reformar o sistema, optou-se por confrontá-lo, assim como seus mecanismos institucionais de funcionamento, o que gerou desgastes enormes na relação com o Parlamento.

Não se desmonta o presidencialismo de coalizão por vontade própria ou decreto. O modelo institucional brasileiro está assentado décadas nessas estruturas, e a forma mais inteligente de combater seus vícios passa por reformá-los em vez de confrontá-los, uma vez que, desafiados, podem se voltar contra o governante, como ocorreu com Collor e Dilma. A experiência mostra que não é inteligente desafiar o sistema de forma infantil, visto que Bolsonaro tem diante de si um mandato claro, fornecido pelas urnas, para reformá-lo. Ocorre que, até aqui, ele vem repetindo os erros do passado, algo que pode levar seu mandato a ter o mesmo desfecho dos antecessores.

O desmonte do modelo desgastado da Nova República passa por um movimento inteligente de reformas no âmbito político, com a limitação do número de partidos e de seus fundos partidários e eleitorais, passando pela revisão do sistema eleitoral e a forma com que escolhemos nossos representantes, chegando inclusive à discussão sobre a melhor forma de governo. Esse é o debate que se impõe. Não se desmonta o modelo de troca de nomeações por apoio parlamentar, o famoso toma lá dá cá, sem mudar a forma de relacionamento político do eleitor com seus representantes e desses com o governo. Rejeitar o velho mecanismo sem atacá-lo de forma estratégica, desidratando-o por meio de uma reforma institucional dentro das regras democráticas, é suicídio político.

A autoproclamada “nova política” se tornou um bom slogan, mas sem implementação prática, exercida de forma tosca e desordenada, pode levar o governo ao fim prematuro e melancólico. Sem uma reforma política robusta, que altere as estruturas do sistema, não há chance real de implementação de novas práticas políticas. Diante disso, o Parlamento já montou sua estratégia. Com políticos ocupando o vácuo de liderança deixado pelo governo, esses em breve podem assumir as rédeas do sistema, trazendo as reformas e o núcleo decisório para dentro do Congresso Nacional. É preciso entender o jogo para mudar suas regras.

Entre confronto e reforma, ao contrário do que foi feito até aqui, deve-se optar pela política, sempre o caminho mais inteligente. Vale lembrar que a estratégia do confronto, ao contrário, tem o hábito de ceifar mandatos. A conferir.

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