MÁRCIO COIMBRA

Perigosa dinâmica

Em meio à pandemia do novo coronavírus, o mundo da política acordou no sábado com a notícia do falecimento de Gustavo Bebianno


Publicado em 16 de março de 2020 | 07:34
 
 
 
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Em meio à pandemia do novo coronavírus que ocupa todo noticiário do país, o mundo da política acordou no sábado com a notícia do falecimento de Gustavo Bebianno, homem forte da campanha de Bolsonaro e primeira importante baixa do governo.

O advogado foi demitido do Planalto menos de 50 dias depois da posse e, desde então, vinha se posicionado de forma crítica diante do Presidente que ajudou a eleger. Bebianno foi o primeiro de uma imensa lista de desafetos cultivada por Bolsonaro desde que chegou ao Planalto. São nomes da esfera política, executivos, gestores públicos e até militares que acabaram sentindo-se traídos pelo presidente, acusando-o de ingratidão e deslealdade.

Engrossaram a lista profissionais reconhecidos como Joaquim Levy, General Santos Cruz e o físico Ricardo Galvão. Confesso que pessoalmente tinha restrições a Bebianno. Quando decidi entregar a direção da Apex-Brasil e deixar o governo Bolsonaro, o ex-ministro, de forma gratuita, exaltou o fato com desrespeito e uma dose de ironia vil e preconceituosa, exatamente as principais características que criticava no presidente.

Ao ensaiar voos eleitorais, o advogado tinha muito ainda a aprender no ramo da política, uma inexperiência que talvez tenha feito perder o próprio cargo de forma prematura. Mas fato é que Bebianno personificava o sentimento de mágoa de um crescente número de pessoas que passaram ou convivem com o governo Bolsonaro. Na esfera política, esta é uma realidade crescente, que transborda para a imprensa e pode desaguar no grande público se a economia não fornecer sinais de reação.

Este é o ponto a ser revisado pelo presidente. Suas atitudes, por vezes explosivas e intempestivas dinamitam pontes de entendimento fundamentais ao sistema democrático. Ao acreditar que esta abordagem mercurial é a melhor forma de se comunicar diretamente com o povo, ensaia uma linha direta que pode remeter o país a um discurso populista que não rima com os ideais democráticos de nossa nação.

Os curiosos caminhos percorridos pelo governo, passando pela ingratidão com antigos aliados, crescente militarização e insegurança sobre os rumos econômicos colocam o país em uma sensação de incerteza que afeta os investimentos. Para encaminhar nossa nação em uma direção virtuosa, é preciso estabilidade, manutenção de quadros, lideranças sólidas no Parlamento e uma agenda definida dos rumos a seguir. Bebianno foi o primeiro a sentir esta instabilidade que paira no Planalto. Uma necessidade de alinhamento cego sem espaço para um debate sadio.

O entorno pessoal do mandatário, típico de regimes presidencialistas, acabou por dividir-se entre assessores que disputam a confiança do chefe em uma briga sem trégua pelas maiores demonstrações de lealdade, enquanto a sabotagem mútua se torna moeda corrente desta disputa de poder. Bebianno se tornou vítima desta perigosa dinâmica que, ao ceifar seu cargo, abreviou sua vida por um infarto fulminante. A política é realmente para os fortes. 

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