Não há quem negue, independentemente de viés político-ideológico, às políticas públicas de saúde o status de prioridade absoluta nas ações governamentais, ao lado de educação, segurança e emprego.
O Brasil fez uma escolha ousada ao optar, na Constituição de 1988, pela construção do SUS, que assegura o acesso universal à integralidade das ações e serviços necessários para promover, restaurar e manter a saúde da população.
Não é segredo para ninguém que o país enfrenta, há muitos anos, graves restrições orçamentárias. Não é tarefa trivial assegurar, a um só tempo, sustentabilidade fiscal ao país e solidez ao sistema público de saúde.
A Instituição Fiscal Independente (IFI), vinculada ao Senado Federal, publicou, esta semana, o Estudo Especial 20, de autoria de seu analista Alessandro Casalecchi, intitulado “Cenários de longo prazo para a necessidade de financiamento da saúde”. O lançamento obteve grande repercussão.
O estudo projeta as necessidades de financiamento do sistema de atenção à saúde, nos próximos 45 anos (2025-2070), face às profundas transformações demográficas com o envelhecimento da população, à incorporação de novas tecnologias embutida na inflação setorial e ao crescimento dos níveis efetivos de universalização. Os números apurados são cotejados com as limitações fiscais crescentes e o novo arcabouço fiscal vigente.
A necessidade de incremento do Orçamento da saúde para atender às pressões das mudanças demográficas e tecnológicas considerada é aquela necessária para manter o atual padrão de integralidade e qualidade.
Paralelamente, é feito um exercício de qual seria a necessidade para um padrão ideal, comparável ao dos países desenvolvidos. Quando se verifica, com base nos dados da OCDE para 2022, o quanto o Brasil gasta na saúde privada e pública, os nossos 9,8% do PIB ficam acima da média os países listados (9,2%). Mas, ao levar em conta a despesa por habitante, a nossa realidade de país emergente relativamente pobre e muito populoso vem à tona. Os países da OCDE gastam, em média, US$ 4.986 por habitante, e o Brasil, apenas US$ 1.573 (em moeda equalizada por poder de paridade de compra). Três vezes menos recursos.
Mas a realidade piora quando vemos que, do gasto per capita brasileiro, apenas 45% vai para o sistema público, contra 76% de gasto público na média da OCDE. Para chegarmos a um padrão europeu de saúde, teríamos de elevar o investimento de 9,1% do PIB para 19,0%, incremento majoritariamente público, patamar inalcançável nos próximos anos.
No entanto, o cenário real é ainda mais preocupante. Para manter mais ou menos o status atual e responder aos desafios do envelhecimento da população e da incorporação dos avanços tecnológicos na saúde, seria preciso que o Orçamento crescesse, nos próximos dez anos (2025-2034), 3,9% acima da inflação. Ocorre que o arcabouço prevê a possibilidade de crescimento real de apenas 2,5%. Ou seja, para não agravar o subfinanciamento do SUS, das duas, uma: ou o arcabouço fiscal seria descumprido, ou recursos alocados em outros setores teriam que ser deslocados para a saúde.
O estudo lançado pela IFI coloca, de forma consistente e inequívoca, a necessidade de se repensar profundamente a estrutura dos gastos governamentais, a rigidez orçamentária e as prioridades em termos de políticas públicas.