Vamos retomar de onde paramos na última semana? Representaria Trump o fim da globalização? Quais serão as consequências se acordarmos no dia 1º de agosto com tarifas de 50% sobre os produtos brasileiros importados pelos EUA?
Parece-me essencial separar o que há de jogo político e ideológico nesta história da esfera objetiva dos interesses e objetivos econômicos.
Achar que tudo que estamos vivendo – às vezes, mais parece mistura de realismo fantástico com uma ópera-bufa – é fruto apenas de um personagem inusitado, imprevisível, exótico, destemperado, grosseiro, mentiroso, ousado, autoritário, me parece, no mínimo, superficial e equivocado. Embora Donald Trump mereça cada um desses adjetivos.
Trump ressurgiu, em 2024, com o perfil de um super-herói que colocaria os EUA em primeiro lugar e faria “a América grande novamente”. Para isso, não disfarça seus ímpetos imperialistas: o uso da chantagem aberta; o desconforto com os ritos democráticos e republicanos de compartilhamento do poder com o Congresso e o Poder Judiciário; a retórica ufanista e o uso de fake news e bravatas.
Precisa permanentemente alimentar a bolha de fiéis seguidores, que enxergam nele o mensageiro de uma nova hegemonia americana e o supremo líder da direita conservadora autoritária mundial.
Por outro lado, os EUA ainda são a maior economia do mundo. No entanto, têm um megadéficit fiscal de mais de US$ 1,9 trilhão ao ano, uma dívida de 120,9% de seu PIB, em veloz crescimento, e a perspectiva de agravamento com o último pacote de corte de impostos e gastos, proposto por Trump e aprovado por exígua maioria do Congresso americano, que resultará num desequilíbrio adicional de US$ 3,3 trilhões em dez anos. A arrecadação com as novas tarifas estão, inclusive, ajudando a amenizar esse rombo fiscal.
Além disso, os EUA têm um déficit comercial que bateu os US$ 918,4 bilhões em 2024. Os dois déficits gêmeos exigem a manutenção do dólar como moeda padrão nas transações internacionais. Por isso as tratativas no âmbito do Brics sobre vias alternativas incomodam tanto.
Também a defesa das empresas americanas, como as big techs, e a obstrução à construção de uma futura hegemonia chinesa são objetivos centrais na estratégia de Trump. A postura do governo e do Judiciário brasileiros diante das grandes empresas do mundo digital, a prática do multilateralismo e a busca de parcerias alternativas pela diplomacia brasileira estão também por trás da reação americana.
Nada justifica, no entanto, a quebra de uma aliança histórica, ameaçar nossa soberania, imiscuir-se em questões institucionais e políticas internas e usar tarifas de comércio exterior como ferramentas de chantagem. No caso brasileiro, tudo é injustificável, já que o Brasil, há anos, acumula déficits comerciais com os EUA.
Cautela, firmeza, habilidade e diálogo com segmentos da economia americana afetados pelas verdadeiras sanções impostas ao Brasil são o caminho. Pode haver deflação, juros menores, desemprego e queda das exportações aqui. Pode haver inflação e desorganização de alguns segmentos lá. Mas não é cancelando o visto de sete membros de nosso STF ou impondo tarifas de importação absurdas ao Brasil que reconstruiremos os laços históricos de cooperação entre Brasil e EUA.