MARIANA RODRIGUES

Show de bola ou de estilo?

Redação O Tempo


Publicado em 08 de junho de 2014 | 03:00
 
 
 
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Vou contar uma história:

Recém-chegada a Belo Horizonte fui a um supermercado no alto da Avenida Nossa Senhora do Carmo. Parei no estacionamento e, ao pegar o elevador, reparei na placa de ofertas da semana. Meu olhar fotografou a promoção do azeite Gallo. Lá dentro, aproximava-me das primeiras gôndolas quando um funcionário eufórico me disse: “O Tardelli. O Tardelli tá aí!” Tardelli? pensei, o nome tem um som italiano… Seria algum tipo de massa premium? Ante a minha total falta de reação perante a notícia, o funcionário repetiu: “O Tardelli! Do Galo!”

Ah, então tive certeza. Tratava-se realmente de algum tipo de massa que estava em promoção com o azeite. Olhei ao redor procurando algum balcão de degustação quando o funcionário complementa: “O atacante! O atacante do Galo!” Acredito que devido à minha total falta de reação, o funcionário se afastou, me oferecendo preciosos momentos para reflexão. Tardelli, atacante do Galo. Eu tinha misturado tudo: promoção de azeite com a falsa ideia de que massas tinham nome italiano e total desconhecimento sobre futebol. Mas, afinal de contas, eu estava em um supermercado, um universo tão distante do futebol…

Agi. Empurrando meu carrinho passei pelas gôndolas procurando… Procurando exatamente o quê, se eu não sabia quem era Tardelli e muito menos como ele era? Ah, eu procurava um estereótipo, a figura padrão de como um jogador de futebol deveria ser. E achei. Pouco depois localizei um homem de estatura mediana, forte sem ser bombado e inchado, cabeça quase raspada, com bermudões abaixo do joelho, um tênis grande e vistoso, uma camiseta de malha sem mangas, óculos escuros e… estava lá, completando o look: um colar grosso e mais comprido brilhava prateado sobre a camiseta.

À vontade – e como deveria ser – o jogador, imune ao meu olhar crítico, seguiu sua vida. Ressurge agora quando me dou conta de como minha visão era estereotipada diante dos inusitados looks utilizados por outro jogador, o lateral-direito da seleção brasileira, Daniel Alves.

Calças saruel de bolas brancas; jeans artsy; moleton com aplicação de taxas coloridas; blusa de tela; chapéu; blazer vermelho, camisa branca e gravata preta usados com bermuda jeans e tênis. E também bermudões, camiseta e tênis, quando a situação exige, como em uma caminhada pelo calçadão do Leblon, no Rio de Janeiro. Eu já deveria ter aprendido que estereótipos são o que são, modelos estabelecidos como padrões, formados antecipadamente sem o fundamento da imparcialidade.

Daniel Alves quebra esse padrão do visual do jogador de futebol, talvez por estar mais impregnado da liberdade do espírito europeu, talvez trazendo para a aparência a criatividade que demonstra com a bola nos pés. Dá um show de bola – ou de estilo? – com suas misturas, ao sair do lugar-comum e demonstrar que sim, os homens também têm direito ao prazer, à diversão, de uma roupa diferente ou simplesmente de uma combinação inusitada.

Mariana de Faria Tavares Rodrigues é mestre em moda, pesquisadora de história da moda, e docente no Centro Universitário UNA. Ela divide este espaço com Lobo Pasolini, Ludmila Azevedo, Jack Bianchi e Tereza Cristina Horn

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