MICHELE BORGES DA COSTA

Aqueles dois

Redação O Tempo


Publicado em 01 de dezembro de 2017 | 04:00
 
 
 
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Tem encontro da turma neste fim de semana? Cancele. Está organizando um jantar animado para sortear o amigo oculto da família? Adie. Está sem saber onde levar a pessoa com quem faz planos de dividir a vida (ou a noite)? Eu sei exatamente o lugar certo para vocês estacionarem seus corpinhos e tudo que vem junto.

Vai por mim, não tem nada melhor pra fazer nos próximos dias do que providenciar um lugar na plateia de uma das últimas apresentações da temporada de comemoração dos dez anos da peça “Aqueles Dois”, da companhia Luna Lunera. Um espetáculo não atravessa uma década sem motivo. E se uma trajetória tão longa impõe uma reinvenção permanente, tenho impressão de que a montagem encontra neste 2017 um sentido ainda mais urgente.

“Aqueles Dois” parte de um conto de Caio Fernando Abreu com o mesmo nome, publicado no livro “Morangos Mofados”, em 1982. Conta a história de Raul e Saul, dois homens que se conhecem quando vão trabalhar em uma burocrática e estéril repartição de uma empresa.

“Num deserto de almas também desertas, uma alma especial reconhece de imediato a outra – talvez por isso, quem sabe? Mas nenhum se perguntou.”

Testemunhar o encontro entre Raul e Saul é um presente, porque faz a gente lembrar, entender, tomar consciência de que o afeto salva. E é capaz de brotar nos cenários mais áridos.

“Para não sentirem tanto frio, tanta sede, ou simplesmente por serem humanos, sem querer justificá-los – ou, ao contrário, justificando-os plena e profundamente, enfim: que mais restava àqueles dois senão, pouco a pouco, se aproximarem, se conhecerem, se misturarem?”

Quantas vezes na nossa vidinha um tanto aborrecida, um tanto implacável, um tanto brutal, são encontros como o de Raul e Saul que nos ajudam a seguir mais um pouco?! Quantas vezes encontrar no outro escuta e presença nos devolve pequenas esperanças e coloca cor em dias que amanhecem cinzentos por dentro?!

Em um tempo em que as pessoas saem de casa prontas para o ataque, em que o diferente é motivo para tanta violência, “Aqueles Dois” é um suspiro. Você entra no teatro, enche o peito de amor, e sai pronto e disposto para entregar afeto para as almas especiais que você teve a sorte de encontrar e reconhecer pelo caminho.

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