MICHELE BORGES DA COSTA

Bem-vindo a Cunholândia

Redação O Tempo


Publicado em 29 de maio de 2015 | 03:00
 
 
 
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A placa não poderia ser mais autoexplicativa: “Bem-vindo a Cunholândia, a terra do vale-tudo”. Nesse quinhão, o artigo que inaugura a Constituição é “Faça qualquer aliança para salvar o próprio pescoço”. Os abusos, as artimanhas, as manobras, a corrupção disfarçada de esperteza são o pão de cada dia. É conhecido como um lugar onde não se aceita derrota no que mais se defende, onde o mais comum é ter apetite demais, prepotência demais.

Há um consenso regional, amplamente difundido e assimilado, de que, se é para o próprio bem, a lei pode e deve ser burlada. Na cabeça de cada cidadão, um mantra se repete para que a consciência não pese mais que 18 gramas: sou um sujeito bacana, meus motivos são razoáveis e justos, estou na luta, portanto tudo bem em estacionar na vaga de deficiente, em fazer a empregada trabalhar 12 horas por dia sem receber hora extra, em comprar umas notas fiscais para dar uma incrementada nas despesas declaradas no Imposto de Renda, em aceitar como doação o que todo mundo está careca de saber que é investimento.

Fila dupla? Mas é um minutinho, só pra deixar os filhos na porta da escola e não obrigá-los a entender que o mais confortável nem sempre é o correto. TV a cabo pirata? Mas faz parte da batalha anticapitalista e contra o controle das grandes corporações.

Debater sobre aborto, só se for por cima do cadáver de quem tem o poder de enxergar o tabu como um assunto de saúde pública. Mas sua gente e seus representantes não são de se assombrar com os cadáveres de milhares de mulheres que se amontoam na clandestinidade. É que, em Cunholândia, só se pode tirar o futuro de uma criança se ela se comportar como um miniadulto sem caráter, mesmo se ela for fruto de um sistema brutal e de uma vida miserável.

É o mesmo lugar onde as madames se sentem muito aborrecidas de ter que pagar do próprio bolso as passagens para poderem fazer companhia a seus maridos trabalhadores e onde a hipótese de taxar grandes fortunas está morta e enterrada.

Pra chegar a Cunholândia, nem é preciso esperar essas promoções que as companhias aéreas deram pra fazer quando todo mundo está sem grana. Se bobear, não carece cruzar a fronteira da cidade, sair dos limites do bairro, virar a esquina. Dependendo do grau de cinismo, dá para reconhecer esse mundo, vasto mundo, sem sair da poltrona. Mas, da poltrona até as panelas, costuma dar uma preguiça danada.

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