MICHELE BORGES DA COSTA

Férias de mimimi

Redação O Tempo


Publicado em 27 de março de 2015 | 03:28
 
 
 
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Um dia sem reclamar do calor que não dá trégua mesmo com o fim do verão, da chuva bem na hora de sair do trabalho, do ônibus que não parou no ponto, do motorista lerdo que insiste em ficar na pista da esquerda, do berreiro do bebê que se instalou na mesa ao lado. Vinte e quatro horas sem se queixar do vizinho barulhento que adora sertanejo universitário, da moça da padaria que conversa com a colega enquanto fatia o salame, de não ter sobrado disposição para ver mais um episódio da série favorita, muito menos para tirar do sono eterno um dos livros que descansam na cabeceira.

Uma semana sem lamuriar por conta dos reforços que o time do coração trouxe para esta temporada, das mudanças no bairro que a BHTrans enfiou goela abaixo, dos quilos que não vão embora mesmo com o esquema tapioca pelas manhãs/um copo de iogurte antes de dormir e atividade física punk rock no intervalo. Sete dias sem lamentar os 20 minutos a mais na cama tão desejados e nunca desfrutados, a hora extra no escritório diante da pilha de trabalho em cima da mesa, a toalha molhada enfeitando a cama, a bagunça no quarto do caçula, a quantidade de dever de casa, o mal humor do porteiro, o trânsito que é infernal de segunda a sexta, o telefone que toca na hora errada.

Um mês sem dizer que ninguém se importa, que todo mundo só se aproveita, que ele não muda, que ela mudou demais, que a cidade é uma roça, que o país é uma merda, que não tem nada pra fazer, que acontece tudo no mesmo fim de semana, que não sobra tempo, que as horas não passam. Trinta dias sem franzir a testa, sem cerrar os dentes, sem ficar ofegante pelos motivos errados, sem transformar quem está sempre por perto em uma espécie de ouvidoria particular que precisa ficar aberta 24 horas por dia.

Não sou eu quem está propondo a aventura de banir a nuvem cinza dos diários pessoais. No mês passado, mais de 1.700 pessoas embarcaram no projeto “Complaint Restraint February”, 28 dias em que não poderiam reclamar por besteiras. E quem topou tirar férias do mimimi garante que é uma experiência libertadora, um truque eficiente para aumentar a sensação de felicidade.

É certo que o desafio não faz desaparecer o descontentamento de ninguém, mas ajuda a perceber como é absurdo e chato ser um muro de lamentações o tempo todo. O entorno agradece.

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