MICHELE BORGES DA COSTA

Quando estranhos se encontram

Redação O Tempo


Publicado em 28 de outubro de 2016 | 03:00
 
 
 
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Se hoje me pedissem um conselho para a posteridade ou para escrever uma daquelas páginas de pílula de sabedoria, o tema seria: fale com estranhos. Quem me conhece de perto ou me acompanha por aqui há algum tempo sabe que, vinda de mim, essa recomendação é absolutamente transgressora. Por timidez ou preguiça, dependendo da ocasião, costumo ser da turma que padece do que já definiram como “desatenção civil”, um ajuste que permite que, mesmo em um ambiente repleto de pessoas, eu aja como se estivesse sozinha.

Diante de estranhos, coleciono silêncios compridos. Minha incapacidade de inaugurar uma conversa com quem pouco ou nada conheço tem a mesma idade que eu carrego na carteira de identidade. Como meta de vida, sou gentil, sempre, mas entre o “bom dia” educado e o puxar assunto com qualquer um na fila do supermercado tem um abismo que não tenho por hábito encarar.

Mas depois que li uma entrevista com Kio Stark, autora do livro “When Strangers Meet”, resolvi me jogar nessa experiência tão inédita quanto desconfortável pra mim. A escritora é uma referência e quase militante quando o assunto é encarar qualquer pessoa que cruze seu caminho como uma interação em potencial. E tem boas justificativas para convencer gente como eu a falar com um rosto anônimo no metrô.

Stark, que tem a tagarelice como herança de família, defende que o hábito de conversar com desconhecidos faz enxergar a humanidade no outro e pode ser bem prazerosa na medida em que rompe uma norma social implícita. Aquela mesma regra invisível que faz as pessoas estabelecerem um breve contato com as outras quando entram no elevador, para logo em seguida se perderem em seu próprio universo particular.

Em sua campanha pela conversa fiada, a moça traz dicas para os inaptos. A primeira delas é sair cumprimentando todo mundo que se encontra na rua, em uma espécie de exercício antes de tentar estabelecer diálogos mais volumosos. Outra é se perder em um bairro qualquer só para ter que pedir informações. Mais interessante ainda é o que ela chama de “perceber”, o que geralmente significa fazer um elogio e, no mínimo, rende um sorriso de volta.

Estou nesse experimento há pouco mais de um mês e confesso que está sendo menos doloroso que imaginei. Pelo contrário, esses breves encontros acabam se transformando em suspiros na narrativa previsível da minha rotina diária... e, quero acreditar, na rotina das pessoas com quem ousei conversar também. Travar contatos momentâneos tem a incrível capacidade de deixar o dia menos árido. Agora, eu sei.

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