MURILO BADARÓ

Ao eleitor, "Triste Horizonte", de Drummond

Redação O Tempo

Por Murilo Badaró
Publicado em 25 de outubro de 2008 | 00:00
 
 
 
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Não sou eleitor em Belo Horizonte. Voto em minha terra e lembrei-me da poesia de Carlos Drummond de Andrade para homenagear o eleitor de Belo Horizonte - você que amanhã, domingo, vai decidir o futuro desta cidade. "Triste Horizonte Por que não vais a Belo Horizonte? a saudade cicia/ e continua, branda: Volta lá./ Tudo é belo e cantante na coleção de perfumes/ das avenidas que levam ao amor,/ nos espelhos de luz e penumbra onde se projetam/ os puros jogos de viver. / Anda! Volta lá, volta já. E eu respondo, carrancudo: Não./ Não voltarei para ver o que não merece ser visto,/ o que merece ser esquecido, se revogado não pode ser./ Não o passado cor-de-cores fantásticas,/ Belo Horizonte sorrindo púbere núbil sensual sem malícia,/ lugar de ler os clássicos e amar as artes novas,/ lugar muito especial pela graça do clima/ e pelo gosto, que não tem preço,/ de falar mal do governo no lendário Bar do Ponto./ Cidade aberta aos estudantes do mundo inteiro, inclusive Alagoas,/ ‘maravilha de milhares de brilhos vidrilhos’/` mariodeandrademente celebrada./ Não, Mário, Belo Horizonte não era uma tolice como as outras. / Era uma provinciana saudável, de carnes leves pesseguíneas./ Era um remanso, era um remanso/ para fugir às partes agitadas do Brasil,/ sorrindo do Rio de Janeiro e de São Paulo: tão prafrentex, as duas!/ e nós lá: macio-amesendados / na calma e na verde brisa irônica... Esquecer, quero esquecer é a brutal Belo Horizonte/ que se empavona sobre o corpo crucificado da primeira. (...) Fujo/ da ignóbil visão de tendas obstruindo as alamedas do Senhor./ Tento fugir da própria cidade, reconfortar-me/ em seu austero píncaro serrano./ De lá verei uma longínqua, purificada Belo Horizonte/ sem escutar o rumor dos negócios abafando a litania dos fiéis./ Lá o imenso azul desenha ainda as mensagens/ de esperança nos homens pacificados - os doces mineiros que teimam em existir no caos e no tráfico./ Em vão tento a escalada./ Cassetetes e revólveres me barram/ a subida que era alegria dominical de minha gente./ Proibido escalar.

Proibido sentir/ o ar de liberdade destes cimos,/ proibido viver a selvagem intimidade destas pedras/ que se vão desfazendo em forma de dinheiro./ Esta serra tem dono. Não mais a natureza/ a governa. Desfaz-se, com o minério,/ uma antiga aliança, um rito da cidade./ Desiste ou leva bala. Encurralados todos,/ a serra do Curral, os moradores/ cá embaixo. Jeremias me avisa:/ ‘Foi assolada toda a serra; de improviso/ derrubaram minhas tendas, abateram meus pavilhões./ Vi os montes, e eis que tremiam./ E todos os outeiros estremeciam./ Olhei terra, e eis que estava vazia,/ sem nada nada nada’. Sossega minha saudade. Não me cicies outra vez o impróprio convite. Não quero mais, não quero ver-te, meu Triste Horizonte e destroçado amor."

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