MURILO ROCHA

A matemática injusta do país

Redação O Tempo


Publicado em 06 de agosto de 2015 | 03:18
 
 
 
normal

R$ 1.629 é o valor da mensalidade cobrada dos alunos do terceiro ano pela melhor escola de Minas Gerais no ranking do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). R$ 1.629 é superior a duas vezes o salário mínimo (R$ 788). Em 2012, de acordo com o IBGE, cerca de 70% dos brasileiros ganhavam até dois salários mínimos. Ou seja, em uma situação hipotética, se não precisassem gastar com moradia, comida, transporte, roupas e impostos, apenas três em cada dez brasileiros poderiam pagar a mensalidade em uma das melhores escolas do país.

A evolução seletiva da espécie, no caso da educação brasileira, tem se tornado cada vez mais cruel e ditada por fatores econômicos. Segundo os dados do Enem, entre as cem melhores escolas do país, os alunos da maioria esmagadora delas pertencem a classe de nível socioeconômico “muito alto” ou “alto.

Sim, claro, há exceções. Mas a regra, conforme mostram os números, é os mais ricos estudarem nas melhores escolas e ocuparem as vagas mais concorridas, justamente nas universidades federais, nas quais estudarão de graça.

Na outra ponta dessa equação injusta, o aluno pobre estuda nas escolas públicas, na média com avaliações inferiores no Enem, e, caso chegue à universidade, terá de pagar por ela, geralmente dividindo o seu tempo de estudo com uma carga de trabalho para poder custear o curso superior.
O resultado desse processo a gente já conhece: quem percorreu o primeiro caminho chegará mais bem formado e abocanhará as melhores vagas do mercado de trabalho. Quem trilhou o segundo percurso terá de se esforçar mais para chegar ao mesmo ponto e, claro, ainda terá de contar com outro fator: a sorte.

Essa balança desequilibrada da educação não é nova – a novidade é a metodologia do Enem – e tem origem no desmonte do setor promovido ainda durante o tempo da ditadura. A preocupação agora é como evitar o aprofundamento desse abismo entre egressos das escolas públicas e os das privadas, entre pobres e ricos.

Diante do cenário atual, as cotas se mostram cada vez mais uma política acertada, como afirmativas e reparadoras de um sistema injusto em sua base. As cotas raciais e sociais devem ser mantidas, mas é preciso muito mais. É necessário justamente revolucionar a base do ensino público, começando pela qualificação e pela remuneração digna dos professores das redes municipal e estadual, pela revisão dos currículos, pela reforma dos locais de ensino...

Claro, a vida é imprevisível, e cada vez menos diplomas de universidades definem o sucesso ou não de um determinado profissional. Mas isso é o acaso da matemática imponderável da vida. O poder público existe justamente para universalizar os direitos básicos de forma a igualar os diferentes.

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!