MURILO ROCHA

Não há conciliação

Redação O Tempo


Publicado em 01 de setembro de 2016 | 04:30
 
 
 
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Não, não é possível nem razoável pedir agora a conciliação de um país tão dividido. Na verdade, nunca foi possível. A concentração absurda de renda na mão de poucos em detrimento da pobreza de uma maioria, a falta de acesso digno à saúde e à educação sempre tornaram o Brasil desigual e fragmentado. Nos últimos 12 anos, os governos do PT apontaram para uma redução tímida desse abismo entre pobres e ricos cultivado ao longo desses mais de 500 anos, mas foi apenas um aceno, para muitos, justamente um falseamento dessa luta de classes tão evidente em qualquer cidade brasileira.

Mas, neste momento, quando as velhas elites, amparadas por parte da mídia e do Judiciário, retomam o poder por meio de um processo viciado, rasgando 54,2 milhões de votos, esse discurso de conciliação, além de impossível, soa como uma afronta.

O argumento de um processo de impeachment legal, feito com base na Constituição, é frágil e pueril. Os generais, quando deram o golpe, em 1964, e durante os 21 anos em que se alojaram no comando do país, também sempre repetiram estar amparados por direitos constitucionais. A falácia consumada ontem teve até mesmo uma espécie de confissão final de culpa. Ao decidirem afastar em definitivo a presidente Dilma do cargo, mas, ao mesmo tempo, em um remendo de última hora, absolvê-la da perda dos direitos políticos, os senadores demonstraram a falta de convicção na sustentação do crime de responsabilidade imputado à ex-presidente. Na verdade, eles comprovaram a tese da defesa: estão tirando Dilma não por desrespeito à legislação fiscal, base da peça acusatória, estão a tirando porque não suportam mais a continuação de governos petistas. Quebrar a regra do jogo e pedir respeito a ela logo em seguida é contraditório. É inviável.

Do outro lado, Dilma e o PT só perceberam a impossibilidade dessa conciliação quando a cabeça da agora ex-presidente já estava prestes a ser decepada pelo aço da guilhotina. Nos momentos finais, já derrotada, a ex-presidente pareceu, enfim, ter entendido todo o processo político ao redor dela. Cultivou corvos, e eles lhe arrancaram os olhos. Dilma disse ontem estar disposta a resistir, a lutar contra retrocessos que seu governo ameaçou implantar contra garantias trabalhistas e os quais o atual governo Temer está disposto a levar a cabo.

Apesar da adoção, por parte dos governos Dilma e Lula, de uma política extremamente pragmática (não à toa, o Partido dos Trabalhadores está envolvido em inúmeros escândalos de corrupção), foi simbólico ver representantes de movimentos sociais ao lado da ex-presidente na hora de seu julgamento final. Da associação de empregadas domésticas aos sem-teto, as entidades representativas de classes mais pobres e marginalizadas ainda assim enxergaram no governo do PT algo mais próximo de suas realidades. No outro front, o de Temer, entidades como a Fiesp e figuras como Kim Kataguiri.

Conciliar conflitos de interesses tão flagrantes, neste momento, é sucumbir a uma pauta velha e opressora, travestida de palavras e expressões vazias, como “democracia” e “repactuação social”. É repetir os erros de uma história recente.

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