Ao longo da história moderna, sociedade e natureza foram se apartando, ao ponto de se tornarem opostas. Mesmo em cidades planejadas, a natureza aparece de forma reduzida, quando muito em áreas verdes, praças e parques delimitados e desconectados entre si e da vida cotidiana dos cidadãos. É como se bastasse proteger fragmentos de natureza para justificar a destruição de todo o resto. No cenário atual de intensa urbanização, degradação ambiental e crise climática, essas práticas já não se sustentam. Trazer a natureza de volta para as cidades torna-se, portanto, um desafio para o campo do planejamento urbano.
Aqui, na região metropolitana de Belo Horizonte, uma inovadora experiência de planejamento participativo introduziu a Trama Verde e Azul (TVA), de inspiração francesa, como uma estratégia de organização do território metropolitano. A ideia foi conectar parques e áreas verdes existentes por meio dos rios, córregos, lagoas e cachoeiras, integrando áreas urbanas e rurais dos seus 34 municípios, por meio de corredores ecológicos para promover a biodiversidade e melhorar a qualidade de vida.
Incorporada ao Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI) e ao Macrozoneamento (MZ) da Grande BH, desenvolvidos entre os anos de 2009 e 2015, a TVA mineira ampliou-se, incorporando outras cores que vão além do verde das matas e do azul das águas e articulando elementos que tradicionalmente se opõem à simples preservação, como zonas minerárias, zonas industriais, áreas centrais e periferias, eixos viários de desenvolvimento econômico, polos de logística, práticas agroecológicas e modos alternativos de mobilidade ativa.
Ainda que o PDDI e o MZ não tenham virado lei, essa ideia tem sido replicada em Planos Diretores Municipais, levando para a TVA áreas degradadas pela mineração a serem recuperadas, experiências de cultivo agroflorestal e ecológico a serem ampliadas, expressões culturais e atividades de turismo de base comunitária a serem valorizadas, reaproximando pessoas e natureza, no campo e na cidade.
Mas o desafio da transformação é grande, e a Trama, seja verde e azul ou multicolorida, há que ser tecida fio a fio e em diversas escalas. As redes de infraestrutura urbana, as técnicas de manejo do solo e de construção das edificações também precisam se reconectar aos ciclos da natureza para reduzir impactos ambientais e promover a transformação socioecológica.
Enquanto iniciativa institucional, a TVA pode parecer utópica e distante da vida cotidiana. Mas, à medida que se concretiza e os benefícios aparecem, ganha a simpatia e a adesão da população, seja por mais oportunidades de lazer e recreação perto de casa, pelo resgate da relação com a paisagem e com a identidade cultural dos lugares metropolitanos, do contato direto com a água e o verde no dia a dia, clima mais ameno, redução de riscos de desastres, acesso a alimentos mais saudáveis e formas de produção e consumo mais sustentáveis.
Atualmente, o PDDI se encontra em processo revisão, devendo seguir para aprovação na Assembleia Legislativa. Contudo, para avançarmos com instrumentos de planejamento que deem conta de captar todo o potencial da TVA, é necessário incorporar práticas sociais já existentes no território. Por isso, além da participação de técnicos e políticos, há que se garantir a ampla participação dos cidadãos e a colaboração comprometida dos governos estadual, municipal e federal. Caso essas dimensões não sejam devidamente integradas, corremos o risco de ver, mais uma vez, a TVA ficar como uma boa ideia que desbota e não sai do papel.
(*) Arquiteta e urbanista, mestranda no NPGAU/UFMG e pesquisadora do Núcleo RMBH do Observatório das Metrópoles; (**) professor da EA/UFMG e pesquisador do Núcleo RMBH do Observatório das Metrópoles