Observatório das Metrópoles

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Democracia na política urbana de BH está ameaçada

Observatório nas eleições: um outro futuro é possível

Por Mariana Ramos Borges e Julia Birchal Domingues
Publicado em 04 de março de 2024 | 07:00
 
 
 
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O modo mais comum de percebermos a democracia é por meio de eleições para cargos públicos, como é o caso das votações para prefeitos e vereadores este ano. Entretanto, em democracias representativas, a ação política está presente em diversas outras instituições, práticas e espaços, como as Conferências Municipais de Política Urbana (CMPUs) realizadas em Belo Horizonte.

Existente na legislação urbanística de Belo Horizonte desde 1996, as CMPUs são organizadas a cada quatro anos e constituem um fórum de participação ampla da sociedade, com representantes de órgãos técnicos, associações empresariais e entidades comunitárias e sociais. O objetivo das reuniões é debater e definir propostas cujos resultados dão origem a regras a serem incorporadas ao Plano Diretor, lei que orienta o desenvolvimento da cidade.

Em 2014, a 4ª CMPU indicou mudanças importantes na legislação urbanística de Belo Horizonte, que foram aprovadas em 2019 pela Câmara Municipal, na forma do novo Plano Diretor. Entre as mudanças, estão mecanismos inovadores para que a cidade possa investir em moradia, em infraestrutura urbana e ambiental e na qualificação dos espaços públicos.

Além disso, determinou que qualquer alteração do Plano Diretor deveria ser precedida por proposta aprovada na CMPU. Se antes a Conferência era uma das formas de incidir sobre o planejamento urbano municipal, agora ela passa a ser uma etapa necessária, em um importante aprofundamento da participação direta da sociedade civil na escolha do futuro da cidade.

Entretanto, a obrigatoriedade da realização das Conferências para a alteração do Plano Diretor está sob ameaça, comprometendo esse mecanismo já consagrado na política urbana local.

No próximo dia 13 de março, quarta-feira, está marcado o julgamento acerca da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) do art. 86 do Plano Diretor de Belo Horizonte pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG). Por que esse julgamento é de interesse da sociedade? É justamente o art. 86 que determina que a alteração do conteúdo do Plano Diretor deve ter como origem os debates da Conferência de Política Urbana. Este artigo também confere um prazo mínimo de 8 anos para alterações do Plano Diretor, de modo a permitir que haja tempo suficiente para implementação e avaliação das decisões da última Conferência.

A ADI foi proposta pela Mesa Diretora da Câmara Municipal no início de 2023, em meio a uma leva de projetos de lei de vereadores que visavam alterar diversos aspectos do Plano Diretor, cujos temas haviam sido amplamente debatidos na Conferência.

A consequência da declaração de inconstitucionalidade desse artigo, além de permitir que a lei seja alterada antes que a vontade popular tenha sido efetivamente concretizada na cidade, é permitir que o Plano Diretor seja modificado sem que seja realizada uma Conferência Municipal, ou seja, sem que a sociedade seja ouvida de maneira ampla e deliberativa.

A Conferência de Política Urbana em Belo Horizonte é um rito consolidado de interlocução entre o governo e a sociedade para revisão periódica da legislação urbanística. As alterações estruturantes do Plano Diretor dos anos 2000, 2010, e mais recentemente, de 2019, todas tiveram este mecanismo democrático como origem das propostas.

Para disputar o futuro da cidade, precisamos primeiro disputar a gestão democrática da cidade: é preciso que as Conferências continuem a existir e prosperar, cada vez mais participativas e adequadamente munidas de ferramentas para que sejam efetivas em pautar os governantes e os legisladores a respeito das mudanças que a sociedade almeja.

(*) Mariana Ramos Borges e Julia Birchal Domingues

Mariana Ramos Borges  é arquiteta Urbanista (UFMG), mestranda em administração pública (FJP-MG); e Julia Birchal Domingues é arquiteta urbanista (UFMG), mestre em planejamento urbano e regional (IPPUR/UFRJ), especialista em direito público (PUC-MG) e pesquisadora do Núcleo RMBH do Observatório das Metrópoles.

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