Observatório das Metrópoles

Por que a segregação aumenta a desigualdade?

Observatório das Metrópoles nas eleições: um outro futuro é possível

Por Luciana Andrade (PUC Minas) e Jupira Mendonça (UFMG)
Publicado em 22 de janeiro de 2024 | 08:00
 
 
 
normal

O Brasil é conhecido por ocupar os primeiros lugares no ranking das desigualdades sociais. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), somos o sétimo país mais desigual do mundo. Apesar de a desigualdade de renda ser a mais debatida, há vários outros tipos de desigualdades. Uma delas é a desigualdade espacial, medida pelo lugar de moradia das pessoas e conhecida como segregação socioespacial.

Em geral, as sociedades muito desiguais, econômica e racialmente, são também muito segregadas, com os diferentes grupos sociais e raciais ocupando partes distintas da cidade, vivendo entre os iguais, seja por escolha ou por contingência, e muito apartados uns dos outros.

Essa desigualdade, vista cotidianamente, talvez seja uma das mais naturalizadas. O pensamento corrente é que as pessoas vivem em diferentes lugares segundo suas posses, e esta seria a ordem natural das coisas. Como se fosse algo que dissesse respeito apenas aos indivíduos e às famílias, e como se todos tivessem poder de decisão sobre a localização da sua moradia.

Direito violado

Apesar de a Constituição Federal considerar a moradia um direito de todos, esse direito acaba sendo violado quando a terra urbana e a habitação se transformam em mercadorias.

Belo Horizonte, como Brasília, são cidades planejadas e muito segregadas. Dizer que nossas cidades têm muito problemas porque não foram planejadas, não é uma verdade. Foram planejadas perpetuando a ordem da desigualdade. Aqueles que têm o poder de planejar e construir a cidade têm feito dela uma fonte de lucros em benefício de alguns e com prejuízo da maioria.

E por que a segregação espacial aumenta a desigualdade? Justamente porque ela é resultado da criação de barreiras para o acesso à moradia de boa qualidade e bem localizada para a maior parte das pessoas. Morar afastado e distante dos postos de trabalho, das oportunidades educacionais e culturais diminui as chances dos mais pobres de ter maior escolaridade e melhores empregos, perpetuando um círculo vicioso que os mantém em lugares precários.

Quando direitos básicos como moradia, saúde, educação, trabalho, segurança e alimentação não são garantidos pelo Estado, o resultado será sempre a existência de sociedades desiguais.

Desigualdades e políticas públicas

Os tipos de desigualdade são muitos e não podem ser enfrentados apenas com uma única política pública. Assim como as desigualdades econômicas, raciais e de gênero demandam políticas específicas, as desigualdades espaciais também.

Quais seriam essas políticas? Primeiro, é preciso combater a visão de que a cidade é, por natureza, desigual, e que cada um tem, segundo as suas posses, direito a mais ou menos cidade. Segundo, é importante misturar mais os grupos sociais na cidade, fazendo-a menos segregada, seja em relação aos lugares de moradia, seja em relação aos serviços educacionais, de saúde, de cultura, espaços públicos.

Essa tarefa é de todos, de forma participativa, e também dos planejadores e governantes, que precisam usar dos instrumentos urbanísticos como os do Estatuto da cidade, entre outros, para fazer com que os interesses privados sejam subordinados à função social da cidade e da propriedade.

Sem isso, a reprodução das desigualdades seguirá e mesmo se aprofundará. Levar adiante essas propostas não significa frear o desenvolvimento. Significa sim, perguntar que tipo de desenvolvimento temos, que cidade ele produz, e a quem ele beneficia.

(*) Luciana Andrade (PUC Minas) e Jupira Mendonça (UFMG) são pesquisadoras do Observatório das Metrópoles – Núcleo RMBH

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!