OTÁVIO GROSSI

O viver e o morrer em tempos de pandemia

'Com o sujeito que se vai, seguem também as compreensões de quem eu era para essa pessoa. É um pouco de cada um de nós que se vai na morte.'


Publicado em 12 de julho de 2021 | 03:00
 
 
 
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Os tempos são de desafio quando se fala da relação com a morte e com a vida. Aliás, a palavra “relação” pode soar contraditória se compreendermos a ideia de relacionamento apenas como algo positivo e que agrega. Quem quer se relacionar com a morte? Quem fica confortável com a própria finitude e a daqueles que ama? Mas o cenário da pandemia da Covid-19 transformou nossa relação com o morrer e impôs um ar de desalento.   

Se você viveu a perda de uma pessoa próxima ou se conectou com a dor de milhares pelo mundo afora, sua relação com o luto passou e passa por transformações. A dor e o sofrimento da perda fazem com que repensemos os vínculos e as relações que tínhamos com a pessoa que se foi e como podemos, por meio do aconselhamento, apoiar com estratégias possíveis.  

Participando de um seminário, online, da PUC Minas, do curso de psicologia, pude me aproximar de conceitos e visões que ampliaram meu olhar sobre esse assunto. O tema foi “O luto e a pandemia: o aconselhamento como estratégia de prevenção” (conferir em youtube.com/watch?v=GQindsSNd0E&t=1160s, disponível no canal FAPSIcomVC, no YouTube). Ao pensar o luto e a pandemia, estamos de frente para um trabalho de luto que reposiciona a perda e o pensar em como sair dela. Como desinvestir frente a tudo o que foi perdido? Como repensar a relação de afeto que tínhamos com o objeto que se foi? Como, em um processo de aconselhamento, antes ou depois da vivência da perda, apoiar esse sujeito em seus prejuízos emocionais?  

É de consenso que o manejo da situação da morte não é uma abordagem pontual, simples e sem reflexos. O luto é moldado pelos efeitos no presente, no passado e no futuro desse sujeito. Deixar o passado ir com todas as dores e perdas não é simples. Pode nos ajudar muito pensar na experiência da morte por meio de trabalhos de luto que precisamos empreender ou ajudar alguém a executar. O seminário evidenciou o estudo e as contribuições de William Worden, pesquisador na área, entre outros especialistas no assunto. Ele propõe um modelo de tarefas, e não de etapas estanques e limitadas, no qual a pessoa é responsável pelo seu próprio processo e coloca em segundo plano os efeitos derivados da passagem do tempo.  

As tarefas do luto de William Worden são claras e objetivas e demandam um fazer efetivo em cada uma delas. Aceitar a realidade da perda, elaborar o luto após a perda, adaptar-se ao ambiente sem a pessoa amada e encontrar e construir uma conexão com a pessoa que se foi para continuar vivendo. Uma vez que o luto é um processo, e não um estado, as tarefas do luto envolvem um processamento cognitivo que se prepara para enfrentar certas circunstâncias e aceitar a experiência da perda: a adaptação a um mundo diferente e menos desejado que o anterior. Dito de outra maneira, é preciso pensar sobre a dor!  

As suas tarefas ajudam a elaborar a perda da pessoa que se foi e elaborar a perda de quem eu era para essa pessoa. Com o sujeito que se vai, seguem também as compreensões de quem eu era para essa pessoa. É um pouco de cada um de nós que se vai na morte.   

Em tempos de distanciamento, nos quais a concretude dos rituais também nos foi remodelada, fica-se no vácuo da relação que se rompeu. Uma ausência sem ao menos o momento do adeus. Não temos os abraços, o apoio e o enfretamento do real que se impõe com a morte de quem se vai. Os tempos são desafiadores, e nossa elaboração ajudará a quem vive essa dor. Crie outros caminhos para se fazer presente. Ajude seu amigo, seu parente a viver e estruturar as tarefas da morte.   

Não é uma questão de superação, mas de elaboração dessa dor e das perdas. Se você já passou por isso, sabe do que estou escrevendo. O luto é um processo, e não dá para saber e estabelecer as fases pelas quais passamos de maneira tão delimitada. É importante não fugir da dor e do crescimento que vem com ela. Não se cresce apenas com situações positivas e alegres. A vida é formada pelos extremos e por nossa relação de sintonia com esses mesmos extremos. Vida e morte se fundem. Não existe opção: somos feitos de um todo de vivências boas e não tão boas para a felicidade e para o melhor. Boas escolhas. 

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