PAULA PIMENTA

Apegada crônica

Redação O Tempo


Publicado em 24 de maio de 2014 | 03:00
 
 
 
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Sou apaixonada. Desse jeito mesmo, verbo ser e não estar. Geralmente, paixão é ligada a um estado transitório, uma chama, um sentimento que passa, mas isso não se aplica ao meu caso. Acho que já nasci assim, apaixonada por tudo e por todos à minha volta. E não consigo viver de outra forma, sem gostar demais e sem querer tudo o que amo por perto.

Digo isso, porque outro dia, conversando com uns amigos, veio à tona um assunto sobre o qual eu venho pensando há algum tempo: o apego. A doutrina budista prega o desapego como forma de libertação e meio para se alcançar a felicidade. Devemos aproveitar as coisas enquanto elas estão conosco e depois deixá-las partir, sem mágoas.

O que eu disse aos meus amigos e repito aqui é que acho isso muito bonito na teoria, mas inaplicável na prática. Até considero louvável da parte de quem consegue ter essa abnegação e vive cada dia como se fosse o único, sem se importar se amanhã terá aquilo que tem hoje, sem se preocupar em manter o que já obteve. Mas eu não vejo como não ser apegada a cada coisinha que tenha o menor valor sentimental para mim.

Uma vez, roubaram o som do meu carro e todos os meus CDs que estavam no porta-luvas. Se eu seguisse a tal doutrina, pensaria apenas: “Vão-se os anéis e ficam os dedos. Era apenas um bem material, que façam bom proveito.” Mas eu – apegada que sou – até chorei e ainda hoje fico um pouco triste ao me lembrar do tal acontecimento. Pode ser fácil praticar o desapego para quem é muito rico, mas eu lembro que trabalhei muito para comprar aquele som. E cada um dos CDs que me roubaram tinha uma história, alguns eu tinha ganhado de presente, outros havia comprado por gostar muito, e outros ainda eu tinha passado horas gravando... Impossível ser desprendida em uma situação daquelas.

Mais um caso: outro dia comentei que eu amo meu celular. Depois fiquei pensando que quem ouviu deve ter me achado superfútil. Mas eu realmente amo meu telefone, claro que não o amo com o mesmo amor que amo minha família, mas sim porque eu o ganhei de presente, porque lá dentro tem minhas fotos, porque eu adoro quando toca aquela música linda que eu escolhi especialmente pra tocar quando meu namorado me liga... Se o roubassem, certamente eu iria ficar triste. Sei que existem outros celulares iguais, mas eu gosto é desse, com o cheirinho do meu perfume que já está impregnado nele, com a capinha que eu comprei em uma viagem que fiz... Não tem jeito, sou uma apegada crônica.

Em se tratando de pessoas, o problema cresce. Sofro por antecipação só de pensar que posso ficar sem as pessoas que amo. Morei em Londres há alguns anos e um dos motivos mais fortes para a minha decisão de voltar para casa foi a saudade que eu sentia dos meus pais. Eu ficava de lá imaginando que eu devia estar perto deles enquanto eu posso, que daqui a um tempo (espero que seja muito tempo) aqueles dias de distância não seriam mais por opção e que nesse momento que eu posso estar com eles, deveria aproveitar ao máximo. Já me disseram que isso é o correto a se fazer, curtir tudo agora, mas depois, com a inevitável morte, desapegar. Mas continuo achando impossível. Porque “depois” vêm as lembranças. E não existe ninguém mais apegado a elas do que eu. Talvez por isso eu viva com minha câmera fotográfica para cima e para baixo, para poder registrar um pouquinho dos momentos felizes e eternizar as minhas recordações.

Sou apegada à minha família, aos meus amigos, ao meu amor, aos meus bichos de estimação, às minhas coisas, às minhas lembranças. Sou apegada porque gosto de tudo demais, porque se eu pudesse congelava momentos em que sou feliz, para poder revê-los repetidas vezes e tentar também repetir aquela felicidade. Sou apegada ao que já vivi e aos sonhos que tenho e ainda quero viver.

Filosofia nenhuma, por melhor intenção que tenha, me fará mudar esse jeito de ser. Para mim, o desapego pode até evitar que se sofra algum dia, mas ele também impede que a alegria seja sentida em sua plenitude. Desapegar pode até prevenir sofrimentos, mas previne também emoções fortes. E é assim que eu gosto de viver. De sentir tudo intensamente. De amar o máximo que eu posso. Se isso me trouxer tristeza em algum momento, me apegarei a ela também, viverei todo o sofrimento até que ele se extinga por si só e eu me apegue apenas à doce memória do que – ou de quem – eu já tive algum dia.

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